segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

O tempo antes da tecnologia


 

Autor: Edson Alves Domingues(*)

Nasci há setenta anos. As experiências que vivi têm pouco do que acontece hoje. Vivia numa casa onde tinha um poço, de onde tirávamos a água necessária para as tarefas e necessidades diárias da minha família. O balde, vinha pesado, cheio, e balançava, preguiçoso no sarilho, antes de despejar o seu conteúdo numa bacia, ou outro recipiente qualquer.

Luz elétrica, eu já conheci cedo, mas muita gente da vizinhança utilizava lamparina ou lampião, ou mesmo velas. O banho quente era com água fervida, em fogão a lenha, e posta na bacia, que fazia a nossa alegria no asseio diário.

Na copa do mundo em 1958, ouvíamos os jogos pelo rádio, com todos reunidos na sala, vibrando com a narração do Edson Leite, narrador famoso na época.

Andei de bonde, e no bairro onde morávamos, ele era aberto, e os chamados Bonde Camarão, fechados, serviam outros bairros, como a Penha, Santo Amaro, e Sumaré, pelo que me lembro.

Nos ônibus, o cobrador percorria os corredores, coletando o dinheiro da passagem, e o recibo era um pequeno impresso que ele destacava de um bloquinho padrão.

Fiz muitas viagens de trem, pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, nosso destino era sempre Bauru, casa da minha avó, e íamos de segunda classe, e o ponto alto era o sanduíche de mortadela, que comprávamos no trem, pois a viagem demorava cerca de sete horas, passando por Jundiaí, Campinas, Rio Claro, Itirapira, Brotas e Jaú.

Quando moleque, jogava bola na rua, mas esta era feita de jornal bem amassado, encapado com meia de seda feminina, mas ela não resistia muito tempo à água das sarjetas do nosso campinho.

Andar descalço era comum, tanto que as campanhas na escola tinham o Jeca Tatu como personagem, tentando convencer as pessoas a andar de botina. Por andar descalço, peguei uma doença na sola do pé, chamada mijacão, causada por urina de cavalo que passava pela rua do bairro, puxando uma carroça que vendia banha e frango.

No primeiro ano do Grupo escolar, onde cursava o primário, nós só usávamos lápis, pois a tinta só começava a ser usada no segundo ano, com uma pena que era encaixada num suporte parecido com um lápis, e molhávamos no tinteiro que cada um trazia de casa.

As carteiras escolares eram em dupla, então, o desafio era ter um amigo para sentar junto durante as aulas, para ser mais agradável o ano escolar.

Quando usava sapato, era comprado o Verlon, um sapato de plástico, e o tênis, quando conseguia comprar, era o Conga, ou o Sete Vidas, um mocassim de lona.

Quando entrei no Ginasial, tínhamos a caderneta escolar, que registrava a nossa presença na escola, e eram lançadas as notas, verdadeiro suplício, quando tinha de levar para os pais assinarem.

Esses acontecimentos são impensáveis nos dias de hoje para as crianças e adolescentes, e ao olharmos bem a infância aqui narrada, está longe da opulência ou das coisas como acontecem hoje.

Esse era o panorama vivido numa época, que considero de certa forma romântica, e cujo desenvolvimento permitia a cada criança resolver e viver com certa dose de liberdade.

Longe de mim dar o tom de queixa a esses fatos, mas o objetivo é o de relembrar uma época muito cara e importante que vivi.

É interessante recordar, e sentir que a minha existência tem uma característica pessoal, criativa da qual me orgulho, e escrever sobre isso traz junto uma nostalgia e satisfação.

Meus sonhos eram simples, e viver o aqui e agora, embora reconheça que tenha amadurecido precocemente, e preocupado com o futuro muito cedo.

Hoje a tecnologia facilita sobremaneira a vida das pessoas, e eu a utilizo naquilo que consigo acompanhar, pois o meu ritmo é mais lento tanto pela idade, quanto pela ignorância de tudo que temos à nossa disposição, mas procuro me esforçar para aprender, e aproveitar essas "modernidades", afinal, recordar é reviver, e os bons sonhos permanecem como fiéis companheiros para o resto de nossas vidas.

*EDSON ALVES DOMINGUES

-Psicólogo formado pela Universidade de Guarulhos – 1977;
-Especializado em Psicodrama, com titulação em Terapeuta, Terapeuta de Alunos, Professor e Supervisor pela Federação Brasileira de Psicodrama; 
-Especializado em Terapia de Casais e Família pelo Instituto Bauruense de Psicodrama e
-Psicólogo Clínico, por 20 anos. 

Nota do Editor:

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