quinta-feira, 8 de março de 2018

Abuso de Poder Político por Omissão







NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI

"(...) Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."
Eduardo Alves Da Costa


COSTA[1] (p.353) conceitua o abuso de poder político:
"Abuso de poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato. Sua gravidade consiste na utilização do múnus público para influenciar o eleitorado, com desvio de finalidade. Necessário que os fatos apontados como abusivos, entrementes, se encartem nas hipóteses legais de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), de modo que o exercício de atividade pública possa se caracterizar como ilícito do ponto de vista eleitoral."

O legislador não se quedou inerte diante desta possibilidade. Ao editar a Lei nº 9.504/1997, inseriu os artigos 73 a 78, disciplinando as chamadas Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais, visando a coibir as condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. O Princípio Igualitário, conditio sine qua non para a manutenção da democracia garante não só a legitimidade das eleições, como também zela pela probidade administrativa e "incentiva" a moralidade no exercício de cargos eletivos.

Ainda neste sentido, a Lei Complementar 64/90 estabelece que:

"Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político (...)"

Pela análise do dispositivo, percebe-se que os chamados abusos eleitorais (abuso de poder econômico, político, de autoridade ou uso indevido dos veículos de comunicação) são causas que ensejam a propositura da Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE.

A AIJE como hoje se vislumbra é uma inovação no Direito Eleitoral que, inicialmente, consistia apenas em um meio de produção de provas para um futuro Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED). Atualmente, a AIJE é meio processual hábil para declarar inelegibilidade e cassar o registro ou diploma.

As consequências advindas de uma condenação em sede de AIJE deixam clara a gravidade que o legislador intentava conferir aos abusos eleitorais. A pena de inelegibilidade constitui, sem sombra de dúvida, uma das maiores sanções a serem atribuídas a um político, pois se afastar do cenário eleitoral pelo prazo de 8 (oito) anos, certamente o levará ao esquecimento do eleitorado, comprometendo irremediavelmente sua carreira política.

Para a identificação do abuso, segundo REIS (p. 258)[2]:
"É na realidade dos fatos que se deve buscar a verificação do eventual ato abusivo. É preciso, na hipótese, que o próprio candidato ou qualquer de seus apoiadores esteja no exercício de cargo, função ou emprego públicos que lhes possibilitem demonstrar capacidade para a solução de problemas pessoais dos eleitores ou carrear recursos materiais ou serviços para a campanha."

Em suma, pode-se definir o abuso de poder político como um ato omissivo ou comissivo, realizado por agente público independentemente da natureza de sua investidura, numa conjuntura eleitoral, em contrariedade à norma jurídica, e que, em razão de sua gravidade, seja capaz de macular o pleito eleitoral, tanto em benefício quanto em malefício de determinada candidatura.

Como ocorre com o abuso de direito no âmbito privado, o abuso de poder pode se dar tanto na ação quanto na omissão. O abuso de poder político por omissão consiste numa grosseira abstenção de agente político, que, deixando de promover ato a que estava juridicamente obrigado, prejudica a normalidade do pleito, favorecendo ou prejudicando determinado candidato, partido ou coligação.

Entende-se assim que, para comprovar o abuso, deve-se esperar a junção de quatro aspectos: grave omissão; resultado; nexo de causalidade e ilicitude da conduta. Imperioso entender que a conduta deve ser essencialmente ilícita, isto é, não se pune qualquer abstenção, mas ato legalmente exigido que se podia e devia executar.

Ao realizarem seus misteres, os agentes públicos devem sempre guardar obediência aos princípios constitucionais regentes em suas atividades, nomeadamente os previstos no artigo 37 da Lei Maior, entre as quais avultam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Qualquer abstenção que contrarie esta disposição já é per si suficiente para caracterizar ilegalidade.

Frederico Alvim elenca alguns exemplos de atos que poderiam, em tese, configurar de abuso de poder político por omissão:

"O art. 236 do Código Eleitoral estabelece que, desde cinco dias antes, até 48 horas depois do encerramento da votação, nenhuma autoridade poderá prender qualquer eleitor, salvo em decorrência de flagrante delito, sentença condenatória por crime inafiançável ou desrespeito a salvo-conduto. Imagine-se que, em apoio a um candidato, o delegado de um município desrespeite a garantia eleitoral mencionada, efetuando a prisão de eleitores adeptos do candidato rival. Se o Juiz responsável pelo julgamento dos habeas corpus impetrados, simpatizando com a "causa" do delegado, omitir-se, deixando para julgá-los apenas após as eleições, teremos um caso de abuso de poder político por omissão."
Também pode ocorrer abuso de poder político por omissão quando Chefe de Executivo, para não sofrer o impacto eleitoral negativo advindo de exoneração massiva, deixe de realizá-la, em descumprimento a parâmetro constitucional de limite de despesas com pessoal.
Outrossim, praticará abuso por omissão a autoridade que deixe de promover uma educação baseada no pluralismo de ideias (art. 206 da constituição Federal), permitindo que se perpetue, nas escolas, a divulgação de informações tendenciosas e viciadas (...)"

Importa consignar que qualquer agente público, no exercício de sua função, pode corroborar com a prática omissiva, sendo litisconsorte passivo na ação eleitoral e sofrendo as sanções que lhe forem cabíveis.

O abuso de poder por omissão é, por outro lado, de difícil identificação. Em alguns casos, a grave abstenção praticada pode configurar ato discricionário, e, assim, o infrator poderia justificar-se pela faculdade de agir, mesmo que claramente se trate de ação com fins eleitoreiros.

Assim, faz-se necessária uma maior atenção por parte de eleitores, partidos políticos, Ministério Público e Justiça Eleitoral, com o fito de identificar tais abusos e puni-los, gerando pela incolumidade das eleições, expressão maior da democracia no país.

REFERÊNCIAS
[1] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Editora Lumen Júris. 


[2] REIS, Márlon. Direito Eleitoral Brasileiro. Editora Alumnos.

POR MARIA ALMEIDA  MORAIS











-Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica em Goiás;
-Advogada atuante no Direito Público e Eleitoral; e
-Colaboradora da Revista Jurídica Verba Legis.


Nota do Editor:
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Um comentário:

  1. Caríssima, um dia que espero que não tarde, nosso povo hei de entender que na política ele é o juiz executor; uma vez que ele não reeleja indefinidamente um político várias vezes seguidas, não eleja notórios bandidos da região, não confundam religião com política, só ele, o eleitor será capaz de fazer a lei funcionar.

    Não existe país no mundo que tenha tantas leis quanto o nosso, sua explanação sobre o Abuso do Poder é primorosa, mas infelizmente, aqui é Brasil e papel aceita qualquer coisa. Para ter uma ideia tem um deputado dedo duro, cassado, que esta prestes a voltar nos braços do eleitor, outros sacanas que foram lançados fora voltaram e hoje ousam quererem nos governar.

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