quinta-feira, 21 de maio de 2020

Mediação Familiar em Tempos de Pandemia


Autora: Águida Barbosa(*)

A mediação é um instituto que tem alcançado seu lugar, ainda tímido, no cenário jurídico, desenvolvendo-se ao longo das últimas três décadas, tendo sido incorporada ao ordenamento pátrio por meio de leis, a exemplo do Código de Processo Civil de 2015, que lhe atribuiu a necessária visibilidade. 

É relevante destacar que a mediação[1] constitui um mecanismo jurídico que visa dar voz àqueles que clamam por uma ordem justa, em espaço protegido pelo sigilo, para que os protagonistas de um conflito possam manifestar sua vontade, com a valorização do sentimento em perfeita harmonia com o pensamento e a ação. Trata-se, enfim, de uma comunicação humana em sua plenitude, uma linguagem ternária que afasta o julgamento, pois não há, nesta relação, culpado e inocente, certo e errado. 

É preciso salientar que a mediação não se confunde com conciliação, cujo objeto é, exclusivamente, a celebração de um acordo que possa pôr fim a um conflito, com perdas recíprocas, pois, cada um cede um pouco, em nome da celeridade, movidos pela máxima popular: é melhor um mau acordo, que uma boa demanda. 

O campo da mediação é amplo, pois ela se destina a qualquer encontro humano, podendo ser preventiva, evitando relações conflituosas. No entanto, o método da mediação repercute com excelência nas questões de Direito de Família, pois estas envolvem, sempre, relações de afeto. 

A pandemia declarada pela OMS em 11 de março de 2020 traz incertezas, gerando insegurança acerca de seus impactos sobre a vida das pessoas, anunciando uma mudança de paradigma, nunca antes pensado. Instalou-se uma nova maneira de se comunicar, ainda desconhecida. 

Enfim, estamos diante de uma revolução sem precedentes. Trata-se da estranha ordem das coisas[2], promovendo uma inimaginável alteração nas relações interpessoais, a partir da consciência da perda do lugar de conforto. 

A primeira reação das pessoas à nova ordem das coisas é improvisar ponderadamente a busca da felicidade e o afastamento da dor para o coletivo humano.

Eis a busca desenfreada do acesso ao Judiciário, que representa o coletivo humano, depositando nele a insuportável dor da angústia e do medo de um futuro incerto. No entanto, este modelo de acesso à justiça é o modelo do paradigma do passado, portanto não tem respostas para o momento presente. 

Os conflitos familiares são os primeiros a aflorar nesta busca incessante de felicidade, porque o impacto da pandemia encontra ressonância nas relações jurídicas decorrentes dos contratos de trato sucessivo, nas relações continuadas nascidas no princípio da afetividade, a exemplo de convivência paterno/filial e prestação de alimentos aos filhos e ao ex-cônjuge. 

Porém, esta estranha ordem das coisas também é nova para o Judiciário. As recentes decisões judiciais que envolvem nexo de causalidade entre inadimplemento e pandemia têm efeitos a prazo determinado, e curto, pois não há elementos objetivos para quantificar o tempo de eficácia. Será passageiro? Quanto tempo? E os efeitos do isolamento social na economia? 

Eis porque a mediação familiar apresenta-se como acesso digno e adequado para acolher questões tão intrínsecas à vida, manifestada nas relações de afeto. Estes conflitos precisam ser cuidados (ou curados diante do novo paradigma?) por este método que contempla o diálogo entre o silêncio da escuta recíproca e a sacralidade da dignidade humana. 

As questões prementes nas relações familiares, em tempos de COVID-19, têm sido as separações de casais que não suportaram o convívio estreito imposto pelo isolamento social, aflorando causas subjacentes ao conflito, até então cuidadosamente escondidas debaixo do tapete. 

Outro tema frequente é a necessidade de reorganizar a guarda compartilhada ou do regime de visitas entre pais e filhos, visando ao superior interesse da criança, que não entende o que acontece em seu mundinho colorido que lhe retira a possibilidade de convívio com um dos genitores, sem falar do afastamento social proporcionado pela escola. 

Os casais parentais têm tido dificuldade de encontrar um alinhamento adequado que possa proteger a família, evitando mudança frequente de convívio em outro lar, por curtos períodos. 

A mediação é a própria identidade da estranha ordem das coisas pós-pandemia, ocupando-se do futuro para construir passarelas intersubjetivas.

REFERÊNCIAS

[1] BARBOSA, Águida Arruda. Mediação Familiar Interdisciplinar. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001; e

[2] DAMÁSIO, Antonio. A Estranha Ordem das Coisas. São Paulo: Companhia das Letras, 2018

*ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA


-Advogada especializada em Direito de Família;
-Mediadora familiar interdisciplinar;
- Doutora e Mestre pela FDUSP(1972)




Nota do Editor:

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