quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A Extensão do Direito à Convivência Familiar à Criança e ao Adolescente


 Autora: Caroline Hofstteter


Atualmente, o legislador não mais se limita à conceituar como "família" - tão somente - os vínculos decorrentes do casamento ou sangue, reconhecendo também como entidade familiar as uniões decorrentes de laços de afeto, incluindo-se a família monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes, conforme se constata da redação do artigo 226, parágrafo 4º da CRFB/1988.[1]

Ainda, tal amplitude se evidencia através da redação da Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), reconhecida como marco no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, que, em seu artigo 5º[2], inciso II, dispõe: "no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa."

Do art. 25 do ECA[3], ainda podemos extrair os conceitos de família natural e família ampliada, sendo a primeira definida como "a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes", e a segunda "que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade."

Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira, sabidamente esclarece que:

"Com a constituição ela deixou sua forma singular e passou a ser plural, estabelecendo-se aí um rol exemplificativo de constituições de família, tais como o casamento união estável e qualquer dos pais que viva com seu descendentes (famílias monoparentais) novas estruturas parentais e conjugais estão em curso como as famílias mosaicos, famílias geradas por meio de processos artificiais, famílias recompostas, famílias simultâneas e famílias homoafetivas, filhos com dois pais ou duas mães vírgulas parcerias de paternidade enfim as suas diversas representações sociais atuais que estão longe do tradicional conceito de família que era limitaria limitada a ideia de um pai, Uma Mãe, filhos casamento civil e religioso".[4]


Assim, podemos verificar que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece como família uniões de indivíduos decorrentes de laços de biológicos, afetividade e/ou afinidade. 

Tais definições são exemplificativas e reproduzem os avanços legislativos quanto ao avanço do Direito de Família, o qual passou a reconhecer o afeto como um valor jurídico a ser tutelado pelo Estado, tendo esse o dever de proteção à família, eis que reconhecida como base da sociedade, assegurando assistência à pessoa de cada um dos que a integram e criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações, conforme disposto no artigo 226, parágrafo 8º da CRFB/1988[5]

A convivência familiar, é um dos direitos da personalidade da criança e do adolescente, e deve ser exercida em todo o âmbito familiar, conforme disposições constitucionais fundamentais previstas os artigos 226[6] e 227[7] da Constituição da República Federativa do Brasil de1988 – CRFB/88 e aqueles previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA[8], em especial no artigo19[9].

O direito à convivência familiar além dos pais, não está previsto de forma expressa na legislação brasileira, mas se embasa nos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e do melhor interesse da criança, considerando-se, ainda, o conceito contemporâneo quanto à família, sendo certo que, se realizada a convivência efetiva dentro de todo o âmbito familiar de acordo com os princípios retro citados, não há que se falar em afronta ao poder familiar[10], vez que guarnece ao genitor não detentor da guarda o direito de fiscalização e/ou participação efetiva na educação dos filhos que restam sob os cuidados de outrem.[11]

Caso tal convivência familiar, em sentido amplo, seja negada pelos detentores do poder familiar, ou seja, não estabelecida de forma consensual, compete ao Poder Judiciário, através de pedido direcionado pelo interessado ao juízo competente, determinar tal convivência, a depender do caso concreto, em especial se comprovada o vínculo familiar, bem como convencido o magistrado que tal medida atenderá aos princípios do melhor interesse das crianças e adolescentes. 

Assim, visando a proteção integral da criança e do adolescente[12], doutrinadores e magistrados, quando da análise e/ou aplicação da legislação supra, tendem a preservar os laços familiares, considerando-se que o ambiente ideal para o desenvolvimento da população infanto-juvenil é o seio da família. 

Ou seja, se constada a proibição imotivada da convivência familiar a quem detenha tal direito, situação que tem sido recorrente nos casos de dissolução do matrimônio ou união estável, necessária a adoção de medidas que visem a continuidade de tais vínculos, vez que considerados como essenciais para o atendimento e preservação dos interesses e estrutura psicoemocional das crianças e adolescentes, em especial, para que essas referências familiares não se percam com rompimentos súbitos e injustificados, considerando-se que mudanças bruscas na rotina do infante ou jovem podem gerar impactos negativos na vida desses. 

Nesse sentido, se observado que a convivência familiar pode trazer risco à integridade física e/ou psíquica do jovem ou infante, cumpre aos detentores do poder familiar manifestar-se em sentido oposto, desde que de forma fundamentada e motivada, não bastando uma mera desavença pessoal com o familiar interessado para impedir que a visitação ocorra. 

Portanto, conclui-se que a convivência familiar pode ser considerada como uma medida de PROTEÇÃO à família, devendo ser observado o seu sentido amplo, incluindo-se a manutenção das relações de afeto[13], vez que inequívoca a contribuição da afetividade no desenvolvimento pleno e amplo da criança e do adolescente, como sujeitos de direitos e deveres em formação[14], sendo certo que a construção da identidade desses advém, essencialmente, do núcleo familiar. 

REFERÊNCIAS

[1] Artigo 226, parágrafo 4º: Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes 

[2] Art. 5o. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

[...]

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

[3] Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único.  Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

[4] Pereira, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões : ilustrado / Rodrigo da Cunha Pereira. – 2. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. P. 320

[5] ARTIGO

[6] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.         (Regulamento)

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.        

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.         Regulamento

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

[7] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão

[8] LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.

[9] Art. 19.  É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. 

[10] Conceitua Rodrigo da Cunha Pereira: É o conjunto de deveres/direitos dos Pais em relação aos seus filhos menores é uma atribuição natural a ambos os pais, independentemente de relação conjugal, para criar, educar, proteger, cuidar, colocar limites, enfim dar o suporte necessário para a sua formação moral, psíquica, para que adquiriram responsabilidade e autonomia. (Pereira, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões : ilustrado / Rodrigo da Cunha Pereira. – 2. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. P. 596.)

[11] MADALENO, Rolf. O preço do afeto, cit., p. 158. Esclarece o autor: "Visita é um direito conferido a todas as pessoas unidas por laços de afeto, de manterem a convivência e o intercâmbio espiritual quando estas vias de interação tiverem sido rompidas pela separação física da relação” (Loc. cit.).

[12] Reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direito, com atributos distintos da personalidade do adulto, já que portadores de direitos especiais em relação a este, devendo receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim, de todo o sistema jurídico, conforme explica o professor Rodrigo da Cunha Pereira (Pereira, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões : ilustrado / Rodrigo da Cunha Pereira. – 2. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. P. 636.)

[13] MADALENO, Rolf. O preço do afeto. In: PEREIRA, Tânia da Silva: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 151

[14] TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, p. 60-61.

*CAROLINE KINDLER HOFSTTETER








-Advogada atuante no ramo do Direito Privado, na área do Direito Civil, com ênfase no Direito de Família e Contratos. Milita em prol de uma advocacia mais transparente, ética e efetiva;
Bacharel em Direito pela UniRitter Canoas(2015));
-Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pela UniRitter Canoas(2016);
-Pós Graduanda em Direito dos Contratos pela Unileya São Paulo;
-Advogada inscrita na OAB/RS sob o número 101.603;
-Membro da Comissão dos Jovens Advogados de Canoas/RS; e
-Coautora do livro "Olhares interdisciplinares sobre família e sucessões" (2016).
Site: www.camposekindler.adv.br 
Whatsapp: (51) 981272171 
e-mail: caroline@camposekindler.adv.br
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