terça-feira, 6 de outubro de 2015

Legal ou não, o jogo já existe no Brasil. É preciso regulamentar para tributar e proteger o público consumidor.(Artigo)





Desde a década de 40 do século passado o jogo está proibido no Brasil, sendo as únicas exceções as loterias estatais e o turfe (o bingo foi liberado e proibido novamente entre os anos 90 e 2000). Como resultado, temos talvez o maior mercado ilegal do mundo, estimado em R$ 18 bilhões por ano (apenas como referência, as loterias da Caixa Econômica Federal arrecadaram R$ 13,5 bilhões em 2014).

Somos um dos poucos países onde a atividade não é regulamentada. Entre os países que formam o G20, apenas três não permitem o jogo: Brasil, Arábia Saudita e Indonésia, os dois últimos por questões religiosas. Dos 108 países que formam a Organização Mundial de Turismo, só Brasil e Cuba não possuem cassino.
Essa proibição quase centenária, contudo, nunca conseguiu banir o jogo. Muito pelo contrário. Hoje qualquer um pode encontrar uma banca de jogo do bicho em sua vizinhança, e não é difícil saber de bingos e cassinos clandestinos. Além disso, qualquer um pode apostar em eventos esportivos, bingos e cassinos pela internet. 

A oferta de jogos com apostas pela internet vem crescendo exponencialmente. Não apenas é possível apostar em jogos de campeonatos europeus, como também em nossos próprios estaduais ou nacionais, pagando e recebendo em Reais. E a perspectiva de combate ou repressão a essa atividade é mínima: de acordo com o Código Civil Brasileiro, os contratos reputam-se celebrados no local do proponente. No caso do jogo pela internet, os contratos de apostas reputam-se celebrados no exterior, no local da sede da empresa, e não estão sujeitos à jurisdição brasileira.

A pergunta que fica sem resposta é: qual o sentido da proibição do jogo no Brasil de hoje? O argumento usado outrora, da defesa da moral e dos bons costumes, não faz sentido no presente. 

Outro argumento, dos impactos sociais que a ludopatia, o vício no jogo, podem acarretar serve, em última análise, para defender sua regulamentação. Hoje, sem regulamentação, mais de 50% do mercado é operado por ilegais, sem qualquer controle ou política pública voltada à prevenção e tratamento da ludopatia. Mesmo a parcela legal do mercado atualmente não possui qualquer medida voltada a esta questão.

Se o mercado fosse regulado, todos os operadores seriam obrigados a observar regras de “jogo responsável”, tais como definidas em diversos países. Há obrigação de campanhas de conscientização de implementação de medidas de segurança para o público apostador, como os mecanismos de “auto exclusão” e de definição de limites, por meio dos quais o apostador pode se inscrever em um cadastro que o impede de ser aceito em qualquer empresa de jogo, ou pode estabelecer um valor máximo para apostas por hora, dia ou mês. Há ainda a obrigação de manter redes de suporte ao apostador com problemas.

Finalmente, o terceiro grande argumento utilizado para justificar a proibição do jogo é o risco de lavagem de dinheiro. Com o estado atual do desenvolvimento tecnológico, os órgãos fiscalizadores conseguem ter acesso, em tempo real, aos prêmios pagos pelos operadores, podendo ser exigida a identificação do vencedor. Assim toda premiação que configure eventual suspeita de lavagem de dinheiro, pode ser identificada e investigada, com grande segurança ao sistema financeiro. Isso, aliado aos altos valores de multa para os operadores que não cumprirem essas regras e ao fato de que a tributação sobre os prêmios da pessoa física chega a 27,5% (vinte e sete e meio por cento), de acordo com a tabela progressiva do imposto de renda, torna a lavagem de dinheiro por meio do jogo uma opção muito mais difícil e menos interessante financeiramente.

Se por um lado, como exposto, as legítimas preocupações com a legalização do jogo possuem soluções dadas pelo histórico da indústria no mundo e pela tecnologia, há também o potencial de arrecadação de tributos, tão importante na atual conjuntura econômica. De acordo com estimativas, o potencial de arrecadação supera R$ 20 bilhões por ano, sem necessidade de criar qualquer novo tributo. A isso se somam o valor que poderá ser arrecadado com os leilões das concessões para a atividade, o incentivo ao turismo, a geração de empregos e o combate à evasão de divisas e ao crime organizado, que existem em decorrência da falta de uma alternativa legal.

No entanto, é importante que não se repita o grande erro cometido no passado, quando os bingos foram legalizados. O jogo não pode ser pura e simplesmente liberado sem qualquer espécie de controle. Assim como outras atividades econômicas, como a atividade bancária, por exemplo, para ser desenvolvido com a devida segurança jurídica e proteção do público o jogo exige fiscalização intensa e normas específicas. 

É assim em todos os países onde a atividade se desenvolve com sucesso, nos quais existem órgãos reguladores especializados. Por isso entendemos que a discussão no Brasil não deve ser sobre apenas a legalização do jogo, mas sim sobre de um marco regulatório e de uma agência reguladora, capazes de normatizar e de fiscalizar adequadamente o mercado, para que setor se desenvolva de forma segura e sustentável.

Por LUIZ FELIPE MAIA 



-Advogado, sócio de Oliveira Ramos, Maia e Advogados Associados
E-mail:maia@ormaa.com.br

Um comentário:

  1. Deixar coisas na ilegalidade e a isenções deste ou daquele setor,na verdade,são apenas brechas para a lavagem de dinheiro.
    Vou ali fazer uma fezinha...

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