quarta-feira, 13 de julho de 2016

A perda de tempo indenizável





A desvalorização da moeda americana na última década, bem como a exacerbação das compras virtuais, suscitaram demasiadamente a massificação do consumo no País. Com isso, as contendas advindas destas relações ostentaram abrupta expansão; ao passo que os fornecedores mantiveram-se com pouco ou nenhum preparo, a fim de solucionar as casuísticas apresentadas. 

Tantas demandas e pouco preparo, consequentemente, levam os consumidores a enfrentar desgaste emocional e estresse prolongado, em razão da perda de tempo e da angústia experimentados. Uma vez que, em razão de suas vulnerabilidades, acabam sujeitando-se à “boa vontade” do fornecedor que, sempre visando ao lucro indiscriminado, ignoram os que dependem de uma solução justa e legal.

Não é razoável que o mau atendimento, a desídia e o desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina, seja continuamente visto como comum e, quem, injustificadamente, dele se apropria e cause lesão, deve responder por dano moral, não mais sendo considerado mero dissabor ou aborrecimento pelos Tribunais, admitindo-se a reparação civil pela perda do tempo livre. 

O entendimento atual é o de que, mais valioso que a reparação pecuniária, por ser bem jurídico irreversível, o tempo do consumidor deve ser, sobremaneira, respeitado. Haja vista, inclusive, o princípio da dignidade da pessoa humana. 

Quando a má prestação de um serviço transborda a razoabilidade, e dá lugar à irritação, a frustração, ao sentimento de descaso, ao sentimento de se sentir somente mais um número no rol de consumidores, é que ocorre a violação do direito à paz, à tranquilidade, à prestação adequada dos serviços contratados, em suma, a uma série de direitos intimamente relacionados à dignidade humana. 

Hoje o consumidor brasileiro percorre uma verdadeira via crucis para tentar ver respeitados os seus direitos, por isso, alguns juristas já aceitam a tese do chamado “desvio de tempo” ou também denominado “via crucis”, caracterizando-os como danos morais advindos da perda de tempo, energia, competência ou produtividade, que poderiam ser perfeitamente empregados em alguma outra atividade à escolha do consumidor, e não em manobras para tentar resolver um problema, decorrentes de atos ilícitos ou por condutas abusivas dos fornecedores. 

A indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que fogem do que usualmente se aceita como “normal”, em se tratando de espera por parte do consumidor. São aqueles famosos casos de call center em que se espera durante 30 minutos ou mais, sendo transferidos de um atendente para o outro, ou quando o reembolso não é realizado em tempo razoável, por inúmeros obstáculos fabricados pelos fornecedores, a fim de manipular desistência de direitos. 

Diante disso, constata-se o desrespeito ao consumidor, que é rapidamente atendido quando da contratação, mas, quando busca o atendimento para resolver qualquer impasse, é obrigado, a perder seu tempo livre.

Adverte o Des. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que “no plano dos direitos não patrimoniais, porém, ainda há grande resistência em admitir que a perda o tempo em si possa caracterizar dano moral. Esquece-se, entretanto, que o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como um sinal de uma sociedade que não está disposta a suportar abusos”. 

Ademais, vejamos o acórdão de nº192966 proferido pela Egrégia Turma Recursal do Distrito Federal sobre caso análogo: 

CIVIL. COMPRA DE PRODUTO COM DEFEITO. SUCESSIVAS TROCAS. DANO MORAL. OBRIGAÇÃO DE REPARAR.
1 – a demora em se resolver o defeito verificado no aparelho celular do apelado, fazendo com que o mesmo fosse, por várias vezes, até a loja da assistência técnica autorizada pela apelante, numa verdadeira perigrinação em busca do seu direito, caracteriza dano moral passível de reparação em pecúnia. 2 – recurso conhecido e improvido.
20030110358644ACJDF. 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Rel. LEILA CRISTINA GARBIN ARLANCH. DJU 07/06/2004, Pág.77.

Ressalte-se que, a procrastinação em reembolsar o consumidor está entre uma das causas de perda de tempo, conforme jurisprudências do E. TJDFT, in verbis: 

DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. BANCÁRIO. DANO MORAL. PRESENÇA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM.
I. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor estabelece que a responsabilidade civil dos fornecedores em razão dos danos causados aos consumidores é objetiva. Havendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
II. Comprovada a conduta ilícita da instituição bancária e do escritório de cobrança, que frustraram as expectativas da autora de renegociação da dívida, fazendo-a percorrer uma verdadeira via crucis na tentativa sem que pudesse resolver administrativamente a questão, correta a condenação das fornecedoras, solidariamente, ao congelamento do saldo devedor e à compensação por danos morais sofridos pela consumidora.
III. A compensação por dano moral deve ser informada por critérios de proporcionalidade e razoabilidade, observando-se as condições econômicas das partes envolvidas; a natureza e a extensão do dano.
IV. Negou-se provimento aos recursos.
(Acórdão n.884125, 20100111814673APC, Relator: JOSE DIVINO DE OLIVEIRA, Revisor: VERA LUCIA ANDRIGHI, 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 22/07/2015, Publicado no DJE: 04/08/2015. Pág.: 274)
Dentre alguns acórdãos sobre o tema, cita-se um da relatoria de um dos maiores processualistas do País, Alexandre Câmara, que fortalece a afirmação da teoria. Confira-se:

DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 03/11/2010 - SEGUNDA CAMARA CIVEL Agravo Interno. Decisão monocrática em Apelação Cível que deu parcial provimento ao recurso do agravado. Direito do Consumidor. Demanda indenizatória. Seguro descontado de conta corrente sem autorização do correntista. Descontos indevidos. Cancelamento das cobranças que se impõe. Comprovação de inúmeras tentativas de resolução do problema, durante mais de três anos, sem que fosse solucionado. Falha na prestação do serviço. Perda do tempo livre. Dano moral configurado. Correto o valor da compensação fixado em R$ 2.000,00. Juros moratórios a contar da citação. Aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do CPC, no percentual de 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa. Recurso desprovido.
Por enquanto, o entendimento está no âmbito dos tribunais de Justiça. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ainda prevalece a aplicação do simples contratempo. Mas a tese é crescente e vem sendo aplicada, inclusive, nas provas do Ministério Público de Minas Gerais, a exemplo do 53º concurso para promotor. 

O que não se pode mais é aceitar que os fornecedores não reconheçam a vigência e eficácia do Código de Defesa do Consumidor e utilizem-no como tábula rasa para perseverarem desrespeitando quem os mantém no mercado. 

Por TATIA MARGARETH DE OLIVEIRA LEAL - OAB/DF 42.734










- Advogada no escritório Wellington Medeiros Advogados Associados;
- Pós-graduada em Direito e Jurisdição “lato sensu” pela Escola da Magistratura do DF;
- Graduada pela Universidade da Amazônia;
- Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família; e
- Membro da Comissão de Direito de Família da OAB/DF.
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Brasília/DF

Um comentário:

  1. Muito interessante! Vou usar essa tese com certeza nas minhas petições. O consumidor é desrespeitados e estamos cansados de ver aquele parágrafo ctrl c ctrl v sobre o mero aborrecimento cotidiano, espero que essa tese emplaque

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