quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Da Aplicação do CDC na relação Médico/Paciente


O código de defesa do consumidor é um código de difícil aplicação à atividade médica, pois a prestação de serviços médicos não é mercadoria e a resposta orgânica é individualizada na dependência de características genéticas, ambientais, nutricionais, etárias, de gênero e até sazonais. 

No entanto, consoante disciplina a legislação consumerista então em vigência, “serviço” é considerado como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo. Nesse sentido, o art.3º, do Código de Defesa do Consumidor, lei de caráter federal editada sob o nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conceitua “produto” como qualquer bem móvel, imóvel, material ou imaterial, de forma que a relação em destaque deve ser regida pela legislação especial do consumidor.

Sendo assim a relação estabelecida entre o médico e o paciente, tendo sempre em vista as disposições consumeristas, constitui-se em referencial que deve ser valorizado a fim de fortalecerem-se as relações entre as partes interessadas, sem, contudo, perder-se de vista a relevância das variáveis imponderáveis que norteiam os fundamentos do relacionamento em análise.

Nesse diapasão, é importante ressaltar que a responsabilidade civil do profissional médico é baseada na subjetividade, ou seja, por ser o médico um profissional liberal, acaso seja movimentado processo judicial em seu desfavor, tendo como objetivo a reparação d danos eventualmente sofridos pelo paciente, deverá comprovar que não agiu com negligência, imperícia ou imprudência, consoante dispõe o artigo 14, §4º, do já mencionado Código de Defesa do Consumidor.

Todavia, não se pode perder de vista que todo e qualquer tratamento médico deve ser pautados pelos princípios que fundamentam a legislação consumerista aplicável. Isso porque, sendo o paciente consumidor nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor[1] possui a seu favor o dever de informação a ser cumprido pelo profissional médico, dever este que não é inerente apenas à atividade médica, mas sim um dos direitos basilares do consumidor, que consiste na prestação de informação clara e adequada sobre os mais diversos produtos e serviços, mediante a correta especificação da quantidade, composição, características, preço e qualidade do produto/serviço oferecido no mercado de consumo, assim como os riscos que apresentem, consoante infere-se do disposto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. Quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a responsabilidade civil médica, Venosa (2010)[2], assim explana: 

[...] Deve ser entendida como responsabilidade médica não somente a responsabilidade individual do profissional, mas também a dos estabelecimentos hospitalares, casas de saúde, clínicas, associações e sociedades de assistências, pessoas jurídicas, enfim, que, agindo por prepostos em atividade cientemente diluída, procuram amiúde fugir de seus deveres sociais, morais e jurídicos. O defeito ou falha da pessoa jurídica na prestação de serviços médicos independe de culpa, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Apenas a responsabilidade do médico, enquanto profissional liberal individual, continua no campo subjetivo (art. 14, §4º), avaliada de acordo com o art. 186 do Código Civil e seus princípios tradicionais.
Ademais, é importante destacar que a obrigação do profissional médico para com seu paciente não se configura como de resultado, mas sim de meio. Isso quer dizer que o médico obriga-se a utilizar-se de todos os meios que tem a seu dispor em favor do paciente, sendo certo que o resultado pode até ser pretendido por este, contudo não é o fim último da atuação, já que sua concretização depende de inúmeras variáveis imprevisíveis. 

Neste contexto, oportuno mencionar que, no que se refere às obrigações das prestadoras de serviço médico como as cooperativas e seguradoras há conflito de interesses, posto que as prestadoras, como qualquer iniciativa empresarial visam o lucro, ou quando muito evitar prejuízo econômico. Esse é um campo de batalha entre o médico e a empresa, onde esta tende a interferir em suas decisões médicas jogando o resultado para a responsabilidade médica. 

Baseado nesses atritos e constantes desentendimentos, o Conselho Federal de Medicina baixou resolução no. 1401 de 11/11/93, na qual obriga as prestadoras a garantir o atendimento a todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças (CID) da OMS (Organização Mundial da Saúde). Em termos de prestação de serviços hospitalares, consoante dispõe o artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, a Instituição responde pelos resultados lesivos ao paciente.

Ante ao todo exposto, é possível concluir que sendo o direito um instrumento da adequação social, deve-se adequar aos rumos da medicina. Cabe ao juiz, ao analisar o caso concreto, situar e aplicar corretamente a responsabilidade do profissional médico, ao passo que cumpre aos operadores da medicina e à sociedade conscientizarem-se de seus deveres e direitos, atualmente com matizes diversas daquelas do início do século XX, nos primórdios da responsabilidade civil moderna.

BIBLIOGRAFIA

[1] Idem. 

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 149 

Por RÔMULO GUSTAVO DE MORAES OVANDO


















- Sócio fundador do Escritório Jurídico Ovando & Varrasquim Advogados; 
-Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco (2012); (2012);
-Pós graduado em :
-Direito do Trabalho e do Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus - Unidade Campo Grande, MS(2014); 
- Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (2015); 
-Pós graduando em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito(término em 2016); 
-Advogado atuando principalmente nas áreas do Direito Civil Direito do Trabalho e Direito da SaúdeOvando & Varrasquim Advogados
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Nota do Editor:

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2 comentários:

  1. Muito bom texto, esclarecedor e enriquecedor. Traz luz aos nossos direitos e deveres enquanto consumidor e empresa.

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  2. ...Texto esclarecedor, enriquecedor e lindo!...Pena que na prática, não é o que vemos e sentimos. As entidades classistas que englobam a Medicina no País, sempre "protegerão" os seus entes queridos. O que vemos sim, são verdadeiras batalhas judiciais onde tudo o que se apregoa em termos de Lei, nada é cumprido. Quantos médicos diariamente, vemos em todo território nacional, descumprirem Leis, Normas e outras responsabilidades que lhes são afetas e nada acontece! O próprio Conselho Federal de Medicina, tem estatísticas baixissimas de "cassações e suspensões" de médicos processados e condenados por crimes responsabilidade. Puro Corporativismo Médico, até porque grande parte de alguns famosos, são donos das chamadas "operadoras civís de medicina e saúde.

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