quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A Empresa como Consumidora e os Danos Morais



Uma empresa pode figurar como consumidora em uma relação jurídica? Segundo o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor a resposta é positiva:

"Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."

O referido código possui a finalidade de proteger o ente onde exista relação de desigualdade, independente de se tratar de uma pessoa física ou jurídica. Para tanto, Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva ao escrever sobre a condição de consumidor tece as seguintes considerações:
"Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no exercício de sua empresa ou profissão, isto é, ainda que venham a ser interligados, acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual, voltada ou não para o lucro (destinatário final fático) (SILVA, 2008, p. 8)." 
Exemplificando: uma clínica médica possui a necessidade de fornecimento de energia adequado e contínuo para prover aos seus pacientes tratamentos com máquinas especializadas, sendo certo que qualquer equipamento fora de utilização por falha na prestação do serviço de distribuição implica em prejuízo para a atividade exercida pela clínica.

Na doutrina sobre o Direito Consumerista existem duas correntes para delimitação da figura do consumidor: a finalista e a maximalista. Para não tornar o artigo longo procuro resumir ambas. A primeira destaca que o destinatário final é todo aquele que utiliza o bem ou o serviço como consumidor final fático e econômico, ou seja, utiliza para o seu uso pessoal e que não haverá utilização para qualquer finalidade produtiva, encerrando assim o ciclo econômico. A segunda teoria destoa da primeira no momento em que determina que o destinatário final é todo aquele consumidor que adquire o produto ou serviço para o seu próprio uso, sem importar a questão econômica, isto é, interpreta-se o artigo 2º do CDC de forma abrangente, enquanto que na primeira corrente o referido dispositivo legal é interpretado de forma mais restrita.

É interessante destacar que o Superior Tribunal de Justiça vem utilizando em suas decisões uma terceira teoria: a finalista mitigada ou finalista aprofundada. Trata-se de um entendimento intermediário e que busca observar o porte econômico do consumidor e não apenas a destinação dada ao produto ou serviço adquirido.

Voltando ao exemplo dado alguns parágrafos acima, é evidente que na relação da clínica com a fornecedora de energia existe vulnerabilidade de uma empresa em face da outra, principalmente no quesito técnico e por vezes no econômico. Para isso o art. 4º do CDC traz em seu texto que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores e a proteção dos interesses econômicos, determinando em seu inciso I que um dos princípios que devem ser atendidos é o do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.

Ora, se a pessoa jurídica pode ser reconhecida como consumidora ela também possui o benefício de ter sua vulnerabilidade pronunciada em face de outras empresas que possuem competências técnicas e econômicas superiores as suas em determinadas áreas. 

Posto isto, passamos agora a discussão no tocante aos danos morais, que de imediato se delimita: depende diretamente da ofensa à honra objetiva das empresas. Em linhas curtas: honra objetiva vincula-se ao prestígio de uma empresa no cenário local e o dano moral deve ser analisado em caso de atos que geram prejuízos aos seus interesses, como a imagem e boa fama da pessoa jurídica. 

Em tempos nos quais o uso indiscriminado dos meios de comunicação gera efeitos em larga escala, a opinião travestida de ofensa muitas vezes pode ser o marco inicial da análise de uma conduta insultuosa ao prestígio de uma marca, independente da sua solidez no mercado.

Para tanto, a pessoa jurídica possui ao seu alcance o artigo 52 do Código Civil de 2002 e a Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

Código Civil de 2002 
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. 
 Súmula nº 227 do STJ 
A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
Voltando ao exemplo da clínica, realizemos um exercício de ficção no tocante à hipótese da fornecedora de energia elétrica falhar na prestação do seu serviço, acarretando na queima de equipamentos por variação de tensão, o que consequentemente gera um acréscimo no tempo de espera para atendimento e com o passar do tempo a perda da confiança no estabelecimento, bem como o aparecimento de comentários da clientela acerca dos recentes ocorridos. 

A imagem e a boa fama da pessoa jurídica certamente estarão maculadas nessa hipótese e significará prejuízos financeiros, podendo vir a causar endividamento, desemprego e até mesmo o encerramento das atividades da clínica.

Em outras palavras, com uma falha de outro ente o conceito público de uma empresa pode aos poucos ser deteriorado por serviços prestados de forma ineficiente por motivos alheios à sua gestão, gerando prejuízos e abalo à reputação da pessoa jurídica, o que acarreta descrédito frente aos membros de determinada comunidade. 

Posto isto, entendo que o preenchimento concomitante dos requisitos autorizadores para reparação (ato ilícito x danos x nexo de causalidade x dolo ou culpa x ofensa ao bem jurídico) em conjunto com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em favor das pessoas jurídicas, ao teor das teorias maximalista e finalista mitigada/finalista aprofundada, confere uma maior segurança jurídica a esses empreendimentos na busca por indenizações de cunho extrapatrimonial, principalmente quando os argumentos são reforçados pelo Código Civil e pela Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça.

POR EDUARDO BAUER














-Advogado graduado pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP (2015);
-Sócio fundador do escritório Bauer & Maia Advocacia; e 
-Atuação na região Nordeste. Direito Civil e do Consumidor; Direito Médico; Direito Empresarial. 
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Nota do Editor:

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2 comentários:

  1. Perfeito, carissimo; mas como traduzir o escrito em realidade, como acreditar que nosso supremo não crie uma quarta interpretação?

    Nossa justiça tem inúmeros paragrafos e artigos buscando a equidade e a solucionabilidade de conflitos que se estendem por décadas.

    Penso que nos faltam objetivos jurídicos e administrativos que impeçam as maldades, pois depois de feitas...😭😭😭🇧🇷🇧🇷

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  2. Alvaro, obrigado por apreciar o artigo.

    Creio que nossa Corte Superior não irá criar uma quarta teoria, seria insegurança jurídica demais e não se justifica, nem mesmo com lobby.

    No tocante a uma possível indenização por danos morais em favor de uma empresa, tenho visto alguns casos nos quais a prova da reputação arranhada em conjunto com os requisitos que menciono são suficientes para tal fixação, independente da quantidade de leis existentes em nosso ordenamento jurídico.

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