quinta-feira, 6 de junho de 2019

O Divórcio Unilateral


Autora: Gabrielle Suarez(*)



A dissolução do vínculo civil do casamento vem sofrendo importantes alterações ao longo do tempo: desde a arcaica compreensão da impossibilidade de rompimento do vínculo matrimonial; passando pelo desquite com a separação de corpos, em que se analisava a culpa dos cônjuges para a efetiva decretação do divórcio; até as atuais modalidades de divórcio direto, litigioso ou amigável e até mesmo extrajudicial. 

Verifica-se, no entanto, que assim como para a constituição do matrimônio, com a expressa e inequívoca manifestação de vontade de ambos os cônjuges contraentes, há, também, a necessidade de intervenção do Estado-Juiz, de forma imparcial, para a decretação da dissolução do casamento. 

Em outras palavras, o divórcio, seja litigioso, amigável ou extrajudicial, somente é concedido pelo Estado-Juiz, nas pessoas por este revestidas de poderes para tal e mediante a anuência dos cônjuges, exceto em casos específicos, nos quais o mesmo Estado-Juiz oferece o suprimento judicial para a decretação da dissolução desta união. 

Tal forma de proceder acabou recebendo críticas pela supostamente excessiva burocracia, inspirando diversos juristas a buscarem alternativas na legislação estrangeira e culminando na figura do "Divórcio Unilateral", ou "Divórcio Impositivo". 

O Divórcio Unilateral se trataria de uma modalidade de dissolução propriamente dita, na qual qualquer um dos cônjuges, acompanhado por seu advogado ou defensor público, poderia dirigir-se ao Cartório de Registro Civil em que foi celebrado seu casamento e requerer, ali, a decretação de seu divórcio. 

Esse procedimento prevê que o outro cônjuge seria notificado do pedido apenas para ciência prévia e que, no prazo de cinco dias após a referida notificação, seria realizada a averbação do divórcio impositivo na Certidão de Casamento dos consortes, sem a necessidade de qualquer manifestação do outro cônjuge. 

Para tanto, bastaria que o casal não tivesse filhos menores de 18 (dezoito) anos ou por nascer, ou, ainda, filhos incapazes; ocasiões em que haveria a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público e que impossibilitariam a dissolução impositiva. 

Ressalte-se que esta modalidade administrativa de divórcio por averbação também não permite a concessão de outras medidas, como a partilha de bens ou pensão alimentícia, que deverão ser necessariamente judicializadas. 

A figura do "Divórcio Unilateral", em tese, está amparada pela Emenda Constitucional 66/2010 que simplificou a figura do divórcio, suprimindo o requisito de comprovação dos prazos de prévia separação judicial e que promoveu a discussão doutrinária acerca da culpa pelo término do casamento. 

Neste sentido, compreendeu-se que a dissolução do casamento se trata de um direito potestativo de cada um dos consortes e que, para sua decretação, basta a vontade de apenas um deles.

A partir desta interpretação e emprestando o instituto do "Divórcio Impositivo" do direito estrangeiro, alguns Tribunais editaram provimentos suspendendo a necessidade de judicialização do divórcio, como o Tribunal de Justiça de Pernambuco, por meio do Provimento 06/2019[1] e o Tribunal de Justiça do Maranhão, com o Provimento 25/2019[2]

É interessante ressaltar que neste mesmo período de 2019 alguns casos escabrosos tomaram as redes sociais, como o "desabafo" de uma cabeleireira de 51 (cinquenta e um) anos[3] que, diante da terceira negativa de seu ex-marido em assinar o divórcio do casal no cartório - embora convivendo com outra companheira há 24 (vinte e quatro) anos e pai de filhos oriundos desta nova união – afirmou que iria passar a morar junto com o casal e que o ex-marido pagaria por suas contas. 

Mas seria o "Divórcio Unilateral"a solução para situações desta espécie? E a interpretação dos Tribunais que autorizaram a suspensão da judicialização do divórcio está correta? 

É certo que vivemos numa época de rápidas e constantes modificações no Direito de Família e que estas mudanças refletem as profundas alterações nos hábitos e costumes da sociedade do século XXI. Esta sociedade clama pela celeridade, pela simplificação e pela desburocratização que acompanhem essa necessidade de aproveitamento maior da vida, criada pela tecnologia. 

Os defensores do Divórcio Unilateral exaltam a economia de tempo e dinheiro e argumentam que a desburocratização incentivaria a formalização das uniões.

De fato, algumas das dificuldades impostas pela legislação para a concessão do divórcio tradicional acabam por causar intenso sofrimento aos consortes e aos filhos porventura existentes e a supramencionada Emenda Constitucional 66/2010 reconheceu, a meu ver, que nenhuma lei é capaz de manter duas pessoas casadas após o rompimento dos laços afetivos. 

Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), destaca que "o provimento vem reforçar a máxima da substituição do discurso da culpa pelo da responsabilidade, espelhando a interpretação finalística da Emenda Constitucional nº 66/2010 — que foi elaborada pelo IBDFAM — que facilitou o processo do divórcio. Vejo como avanço a possibilidade de qualquer dos cônjuges requerer diretamente no Registro Civil o divórcio, pois preservou o espírito da EC nº 66/2010 cujo o propósito é a simplificação, facilitação, menor intervenção estatal, liberdade e maior autonomia privada, além de não se discutir a culpa, acabando, via de consequência, com prazos para decretação do divórcio"[4]

O presidente do IBDFam-MA, Carlos Augusto Macedo Couto faz um contraponto: "segundo ensaio de notário, nosso associado, tomando por base a lei de custas do Estado do Maranhão, o aumento dos emolumentos seria, em tese, superior a 100%. Além disso, o divórcio impositivo pode parecer a banalização da dissolução do vínculo conjugal, se comparado com as formalidades do matrimônio"[5]

O resultado da festejada simplificação do divórcio foi, no entanto, a recomendação do Conselho Nacional de Justiça, por meio de sua Corregedoria, para que todos os Tribunais do país abstenham-se de editar atos normativos regulamentando o divórcio unilateral em cartório e que os Tribunais que já o tenham feito, revoguem essas normas. 

A Recomendação 36/2019[6], proferida pelo Corregedor Ministro Humberto Martins menciona que "se houver conflito de interesses, impor-se-á a apreciação pelo Poder Judiciário por expressa previsão legal. Essa é a solução escolhida pelo legislador federal. Outras há, inclusive em países estrangeiros, que podem ser melhores, mais atuais ou até mesmo mais eficazes. Nenhuma delas, porém, obteve o reconhecimento do Congresso Nacional brasileiro. Só por essa razão, de nada lhes adiantarão todos esses supostos méritos". 

Enquanto aguarda-se a solução da celeuma, permanece o questionamento acerca da validade e, sobretudo, da viabilidade do Divórcio Unilateral diante das especificidades do Direito Brasileiro. 

REFERÊNCIAS



[4] TJPE aprova provimento que possibilita o "Divórcio Impositivo". Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6941/TJPE+aprova+provimento+que+possibilita+o+%E2%80%9CDiv%C3%B3rcio

[5] CGJ-MA também aprova provimento que institui o "Divórcio Impositivo". Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6942/CGJ-MA+tamb%C3%A9m+aprova+provimento+que+institui+o+%E2%80%9CDiv%C3%B3rcio+Impositivo%E2%80%9D


*GABRIELLE GOMES ANDRADE SUAREZ

-Graduação  pela Faculdade de Direito de Varginha/MG;
-Advogada associada do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e  Vice-presidente da Comissão de Gestão Pública da OAB de São Caetano do Sul;
Pós Graduada em Direito Tributário; 
-Atuante nas áreas cível, administrativa, tributária, empresarial e família;
-Possui escritório de Advocacia em São Caetano do Sul, SP.
E-mail:
 gabrielleasuarez@adv.oabsp.org.br
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