domingo, 19 de janeiro de 2020

O Cativar e o Cativeiro



Autora:Renata de Masi(*)


Um dos temas mais desdobrados em meu consultório está ligado aos afetos. Pessoas querendo cativar, outras querendo ser cativadas e outras ainda não sabendo o que fazer com as relações já cativadas. Uma das frases mais conhecidas encontradas em quadros, tatuagens, camisetas é a do Pequeno Príncipe: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". 


Gostaria de dividir reflexões sobre estas palavras tão fortes: Eternamente, Responsabilidade e Cativar, claro que individualizando deste texto as pessoas legalmente incapazes.

Acredito que Eternamente é muito tempo. Para que isso aconteça, as coisas deveriam ser estáticas e isso não me parece possível. Até porque para falar de tempo é necessário dividir mundo interno e externo. Embora pareça que o tempo na tristeza passa mais devagar, isso acontece porque o sofrimento demanda preocupação; a preocupação demanda esforço que, por sua vez, requer atenção. E, na atenção, nos detemos a observar o tempo. Na alegria, não há preocupação, esforço ou atenção. Daí, sentimos que o tempo passa mais rápido. E, quando percebemos, temos a grata surpresa que as situações estão organizadas de forma atemporal. 

Responsabilidade carrega a complexidade na necessidade do amadurecimento do sujeito, algo nada fácil de acontecer podendo disparar uma persecutoriedade, pois é mais fácil não acreditar em ninguém do que se deixar na mão de um outro. Seria bom que nas relações as pessoas se comprometessem exatamente 50% cada um. Talvez utópico, porque essa dupla teria que se alinhar no amadurecimento das fases do Amor (tema de meu próximo texto). 


Cativar fica mais em um campo inconsciente, pois é difícil saber exatamente o motivo daquela pessoa ter me cativado. Seria uma falta minha que eu fantasio ter encontrado no outro? Essa falta seria minha “metade” tão procurada? Mas falar de metade é muito, assim como colocar-se como completo também.

Seria o Cativar o início de todo amor? 

E esta palavra tão doce que tem um toque de esperança se enlaça com uma palavra tão cruel como Cativeiro. Como se deixar cativar sem se encontrar em cativeiro? 

Cativeiros emocionais são vistos em muitas relações e pouco se percebe ou se nomeia tal situação. Talvez pareça que aqui tento falar apenas de relações amorosas como um marido que se sente em cativeiro, pois sua esposa infeliz que, aos olhos mais simplistas pode parecer ser ela a cativa, mas na verdade, é ele quem se sente ameaçado ou em cativeiro pela culpa de destruir um lar que já não está mais em seu desejo. 


Porém, gostaria que você, leitor, ampliasse as associações para toda e qualquer relação: seja ela de um funcionário com o seu líder até uma mãe com seu filho que, por exemplo, mesmo adulto não conseguiu sair de casa, pois encontra-se repleto de culpas de deixar a sua mãe em solidão. 


As fantasias de um cativeiro podem ficar as voltas do gozo de ser ‘procurado’, o que me vincula a um ser importante, mas o desespero de não ser encontrado pode com o tempo desesperançar um coração. 

Para alguém preso em um cativeiro real, é natural acionar a Lei. Mas, no campo afetivo, cabem alguns questionamentos a serem desvendados: como fica a mistura entre o Amor e a Justiça? Há também aquele que a chave do cativeiro está pendurada ao lado da porta. Por que ele não a abre? Para outros, o tempo forcluiu (acabou) para sair do cativeiro. Há saída para esse caso? 

É possível dizer que o medo da solidão e o sentimento de incapacidade de enfrentar o mundo lá fora são os motivos mais encontrados no meu divã. Então, pontuo aqui que a construção de um sujeito independente é a saída mais difícil, mas talvez, a única para ninguém precisar deslocar no outro o papel de vilão e responsabilizá-lo por sua prisão. 


A construção de um sujeito que se desenvolveu em Amor consegue unir as palavras Amor e Justiça e com isso a hierarquia encontrada não será a chave de um cativeiro. 


Para continuar com as reflexões, dr. Seuss (roteirista e cartunista infantil norte americano) afirmou: "Somos todos um pouco estranhos e a vida é um pouco estranha e, quando encontramos alguém cuja estranheza é compatível com a nossa, nos juntamos com esse".

*RENATA DE  MASI













-Psicóloga e Psicanalista atuando em consultório particular em Santo André/SP;
-Formada na UniABC;
-Especialista em Psicopedagogia pela UniABC;.
-Foi professora universitária na UniABC nas áreas que envolvem Psicologia e Educação;
-Coordenadora de Projeto de atendimentos clínicos.
-Atualmente pesquisadora na clínica no tema Psicanálise e Sexualidade;e
-Supervisora clínica.
E-mail: reverieespaco@yahoo.com
Tel/WhatsApp: (11) 9.8487.6907

Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Ótimo texto, clara exposição e corrobora também minha percepção no setting terapêutico. Parabéns pela leveza em expor um conteúdo tão difícil de digerir.

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