domingo, 29 de julho de 2018

Eu, Ser Pensante Construtor da Minha Ansiedade








A ansiedade é o mal do século. Apesar de bastante pronunciado, este “slogan” não costuma ser contestado. Mesmo com sua alta frequência, parece contraditório pensar que uma reação tão comum possa ser qualificada como sendo a responsável pelos desagrados da vida. Desconforto, incômodo e até a angústia descrevem esta reação emocional, mas, no entanto, talvez ela não seja a verdadeira vilã. Este é meu convite, prezado leitor. Que tal conhecermos mais a ansiedade?

Enquanto sentimento, a ansiedade é descrita como vago e desagradável, associado ao medo, apreensão, e caracterizado por tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho (Allen, Leonard & Swedo, 1995). Sentir ansiedade é, antes de qualquer coisa, perceber-se em uma reação emocional, com desdobramentos psicofisiológicos de luta e fuga frente às novidades da vida, sejam elas entendidas como boas ou más.

Ainda vale ressaltar que a intensidade da manifestação ansiosa é variável, e costuma se alterar em função diretamente proporcional à percepção de vulnerabilidade que o sujeito pode realizar em determinadas situações. A ansiedade, portanto, implica numa reação emocional àquilo que surpreende a ponto de mobilizar o sujeito, ora enquanto alguém capaz de conviver e lidar com a novidade proposta com os recursos que possui para garantir a autopreservação, ora enquanto ser vulnerável a um perigo identificado. Assim, a percepção sobre si e sobre o meio em redor são os ativadores ansiógenos.

Uma vez que se considera a relevância da interpretação que o sujeito faz da realidade vivenciada e também da auto-avaliação de repertórios que se possui para lidar com esta realidade ansiógena, destaca-se a influência dos aspectos cognitivos no que tange a manifestação, intensidade, mas também, as possibilidades de manejo desta tão importante resposta emocional do organismo.

Apesar de discreto, este avanço conceitual acerca da ansiedade é muito representativo. Observa-se que: ansiedade implica em uma reação psicofisiológica e, portanto, mobiliza o corpo e a mente frente a qualquer situação vivenciada. Ainda a ansiedade terá seu curso determinado pela avaliação que se faz de si e dos riscos compreendidos naquilo que se vivencia. Sendo assim, o autoconceito/ autoestima são a base e ponto de partida destas avaliações e percepções, e, portanto, aquele cuja autoestima estiver abalada, fragilizada, ou mesmo rebaixada, estará mais suscetível a variações na ansiedade. Logo, o cerne estratégico das propostas de manejo ou tratamento da ansiedade precisa compreender o trabalho e fortalecimento da autoestima. 

A especialidade dos teóricos e profissionais das abordagens da Psicologia Cognitivo Comportamental é trabalhar a partir de modelos que consideram os processos cognitivos como base para as reações tanto cognitivas, emocionais e comportamentais para compreender o sujeito e suas manifestações, sejam elas adequadas ou não; e desenvolver um plano terapêutico especifico para a demanda do paciente. O esquema teórico do ABC (A→ Evento Ativador, B → Crenças, C → Consequência comportamental) da Rational-Emotive-Behavior-Therapy - REBT foi publicado pela primeira vez em 1958 (Ellis, 1958). Posteriormente o modelo foi ampliado em 1984 (Ellis, 1984), e propôs - se que a compreensão em perspectiva que o sujeito faz sobre si, sobre o seu mundo e as respectivas interações sociais determinam a conduta deste sujeito. 

Neste espectro ainda, é relevante considerar que as interpretações podem sofrer distorções variadas. Distorcer cognitivamente a realidade é quando se pensa de acordo com normas e padrões oriundos aos eventos da vida, e, que, portanto, nem sempre contam com a percepção, raciocínio e consciência adequados. Como consequência, distorções da realidade convergem para o sofrimento psíquico, e isto é inevitável, ou a quem distorce a realidade, ou àquele que sofre a consequência desta distorção. 

Segundo Epicteto, já no século 1 d.C, “A PERTURBAÇÃO EMOCIONAL NÃO É CRIADA PELAS SITUAÇÕES, MAS PELAS INTERPRETAÇÕES DESSAS SITUAÇÕES”. Isto é tão atual que explica o fato da tendência humana a cometer erros constantes em seu pensamento. Com frequência, há uma tendência sistemática negativa no processamento cognitivo dos pacientes que sofrem de um transtorno psiquiátrico (Beck, 1976), por exemplo. Embora alguns pensamentos automáticos sejam julgados como verdadeiros, muitos são falsos ou apenas possuem algumas parcelas de verdade. Em muitos casos, a ansiedade deixa de ser uma reação e se transforma em um transtorno. Esta evolução tem causas multifatoriais, e, portanto, precisa ser avaliada, diagnosticada e tratada por uma equipe multidisciplinar. Neste artigo, vale ressaltar, que me proponho a fazer o recorte da psicologia e de como esta ciência pode colaborar para o cuidado da ansiedade enquanto reação e enquanto transtorno. 

Quando do trabalho realizado para o manejo da ansiedade dentro da Psicologia Cognitivo Comportamental, é preciso considerar duas frentes importantes: a cognitiva e a comportamental. A grosso modo, a frente cognitiva representa todos os recursos internos, como pensamento, memória, valores, as mais variadas crenças ou regras, enfim, tudo aquilo que repercute na maneira como o sujeito irá conceituar algo; já a frente comportamental representa toda a ação, comportamento ou até reação. Ou seja, quando se pretende trabalhar a ansiedade, faz -se crucial trabalhar aquilo que mobiliza o pensar, o sentir e o agir. Abaixo está uma tabela simplificada das frentes de trabalho mais utilizadas, com uma breve explicação (Mululo et al., 2009):


Características
Frente cognitiva

Reestruturação cognitiva.
Visa ajudar o paciente a identificar os pensamentos automáticos distorcidos, questionar as bases desses pensamentos à luz das evidências reais (via questionamento socrático ou experimentos comportamentais) e construir alternativas menos tendenciosas e padronizadas


Frente Comportamental

Exposição
Visa expor o paciente a situações ansiogênicas gradativamente através de uma hierarquia, criada junto com o paciente, até que a ansiedade naturalmente comece a diminuir (habituação). Pode ser feita através da imaginação ou ao vivo.
Relaxamento aplicado
Visa ajudar o paciente a controlar os sintomas fisiológicos da ansiedade durante os eventos sociais. Ele aprende a detectar os primeiros sinais de tensão muscular para logo assim descontrair, produzindo uma resposta contrária à de ansiedade.
Treino em Habilidades Sociais
Visa ajudar o paciente a adquirir as habilidades sociais necessárias para um bom relacionamento interpessoal através da modelação, ensaio comportamental, feedback de correção, reforço social e tarefas de casa. Essas habilidades podem ser treinadas durante a exposição.
Treino em tarefa de concentração
Visa ajudar o paciente a direcionar sua atenção para a tarefa em execução, e não para si mesmo, começando com situações menos ansiogênicas. Com isso, ele diminui sua percepção das alterações que a ansiedade provoca em seu corpo, quebrando o ciclo vicioso de aumento de ansiedade que o autofoco provoca.

Dentre as abordagens de tratamento e manejo da ansiedade, a reestruturação cognitiva é a que mais se destaca. Reestruturar a compreensão que se faz das coisas, explorar alternativas, conhecer as próprias facilidades e dificuldades impulsionam o enfrentamento funcional e saudável para as mais variadas situações e nas diversas circunstâncias. 

Rever aquilo que mobilizou o sujeito a distorcer sua percepção e compreensão da situação em si, de si próprio ou mesmo do meio em que se encontra implica em estudar a forma de pensar, sua história, seus valores. Albert Ellis pesquisou e destacou os desvios cognitivos mais comuns e influentes, nomeando-os de crenças irracionais. Estas representam regras internas centrais do pensar que embasam as emoções e os comportamentos. São extremamente comuns e determinantes na elaboração das interpretações, sentimentos e ações. Ellis (1958) classificou as crenças irracionais assim: 

Afirmações aterradoras: exageram as consequências negativas; 
Obrigações, deveres e necessidades: demandas irrealísticas; 
Afirmações de avaliação do valor humano, ou de si próprio ou dos outros (um ter mais valor que os outros); 
Afirmações de necessidade: exigências arbitrárias para a felicidade e sobrevivência. 

As situações são postas ao sujeito que, invariavelmente, realizará tal situação. Suas interpretações poderão ser racionais, quando acontecerem dentro dos parâmetros de adequação com a realidade em que se encontra; mas também poderão ser, como nomeou Ellis, irracionais. Nestes casos, é possível identificar quaisquer desses tipos de crenças irracionais. Muitas vezes mais de um tipo. Como exemplo, imagine que uma mulher adulta acorda no meio da madrugada para tomar um copo de água enquanto dormia. Ela está em sua casa. Enquanto caminha pelo corredor em direção a cozinha, percebe que a cortina de uma das janelas da casa balança. É uma cortina alta e comprida. Ela pode pensar, seguindo as classes de crenças irracionais:

1. "Deixei a janela aberta. E se um ladrão está aqui. Agora devo chamar a polícia, (...) ele deve estar me observando e irá me abordar a qualquer momento." Exemplo de afirmações aterrorizadoras;

2."Deixei a janela aberta. Deve ter entrado um bicho aqui. Devo chamar a dedetizadora e vasculhar a casa, pois algum animal certamente entrou. Se eu voltar a dormir, correrei riscos" (Exemplo de obrigações, deveres e necessidades);

3. "Deixei a janela aberta. Sou uma relapsa mesmo. Não posso cuidar sozinha de mim e nem da minha casa. Sou uma incompetente." (Afirmações de avaliação de si próprio) e

4. "Deixei a janela aberta. Agora só mesmo assistindo a uma série para eu conseguir relaxar. Se eu demorar para dormir, será horrível e não conseguirei trabalhar amanhã."(Afirmações de necessidade). 

Estes exemplos são simplistas, corriqueiros, mas refletem pensamentos e avaliações da realidade que se enquadram dentro de um espectro ansioso. Nestes exemplos, é possível identificar a irracionalidade quando das interpretações realizadas acerca de si própria e / ou da situação em si. A moça do exemplo trouxe à tona o quanto não se vê em vantagem para enfrentar a realidade da janela esquecida, ou seja, uma situação ansiosa. No entanto, o que caracterizou a irracionalidade da sua interpretação não foi ver - se em desvantagem, mas sim como era sua desvantagem, bem como as respectivas consequências e possibilidades de enfrentamento. Muitas poderiam ser as variáveis para esta distorção da realidade. No entanto, um aspecto ficou fechado: todas as variáveis dependiam de como a mulher interpretou a situação. Esta determinou as estratégias de ação para manejar o evento ansiógeno. Mais uma vez, prezado leitor, se evidencia a responsabilidade que se possui para promover adequação/ racionalidade ou inadequação/ irracionalidade, saúde e doença. 

Nesta perspectiva, o que propõe é, além da conscientização do funcionamento psíquico da ansiedade, ressaltar que existem saídas bem plausíveis para manejar tal resposta emocional. Tais saídas referem – se a quem quer que vivencie a ansiedade, desde que aceite reconhecer-se como alguém que pensa e constrói a ansiedade de acordo com seu equilíbrio psíquico. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


 Allen AJ, Leonard H, Swedo SE. Current knowledge of medications for the treatment of childhood anxiety disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1995;34:976-86.         [ Links ];

Ellis, Albert. (1958). Rational psychotherapy. Journal of General Psychology, 35-39. ____. (1984). The place of meditation in cognitive behavior therapy and rationalemotive therapy. In: SHAPIRO, D. H., and WALSH, R. (Org.). Eds. Meditation. New York: Aldine, pp. 671-673. _____. (1993). Changing rational-emotive therapy (RET) to rational-emotive behavior therapy (REBT). The Behavioral Therapist, 16(10), 257-258. Ellis, A.; Dryden, W. (1987). The practice of rational-emotive therapy. New York: The Guilford Prees. Ellis, A.; Hayslip, B., Galt, C.; Lopez, F.; Nation, P. (1994). The irrational beliefs and depressive symptoms among younger and older adults: a cross-sectional comparisson. International Journal Aging and Human Development, 38(4), 307- 326;

Mululo, S.C.C; Menezes, G.B; Fontenelle, L; Versiani, M (2009). Efi cácia do tratamento cognitivo e/ou comportamental para o transtorno de ansiedade social. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul – APRS.: 31(3):177-186;

Swedo SE, Leonard HL, Allen AJ. New developments in childhood affective and anxiety disorders. Curr Probl Pediatr 1994;24:12-38.         [ Links ]; e

Wessler, R. L.; Wessler, R. L. (1980). The principles and practice of rational-emotiveTherapy. San Francisco: Jossey-Bass.

POR ANA CAROLINA DE QUEIROZ CABRAL












- Psicóloga formada pela UNIMEP; 
- Mestre em psicologia pela PUCCAMP leciona tanto na graduação como na pós graduação desde 2007 ; 
- Estudiosa da terapia racional emotiva (REBT); 
- Foco de trabalho junto aos alunos e pacientes: funcionamento psíquico do ser humano; 
- Foco de estudo: 
  - A relação mãe e filho e os seus desdobramentos psíquicos, especialmente no que tange ao stress e ao sentimento de raiva; 
- Trajetória profissional : 
 - Por 6 anos na psicologia das organizações, e mais especificamente, na área de recursos humanos aonde trabalhou nas adaptações do homem no que tange as relações laborais; 
  - Após esses anos migrou para a área clínica e mantém –se nesta até hoje; 
 - Professora e supervisora de Terapia Comportamental Cognitiva; 
  - Atuou por 5 anos como psicóloga hospitalar em uma unidade básica de saúde no município de Campinas e nesta atuação, acolhia as demandas daquela específica população junto ao grupo de profissionais ali também atuantes, realizando, além da psicoterapia individual, muitos projetos e atividades de terapia grupal: grupos de gestantes, para controle do tabagismo, para adolescentes em situação de risco, de crianças e de aconselhamento familiar, além de atuar na contenção de crises; e 
  - Atualmente atua no atendimento individual e em grupo de seus pacientes há mais de 13 anos, independente das mais variadas demandas, seguindo como base teórica a Teoria Racional Emotiva de Albert Ellis.

Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Pincelei um trecho do texto que na minha ansiedade, traduz nosso momento cotidiano:
    Segundo Epicteto, já no século 1 d.C, “A PERTURBAÇÃO EMOCIONAL NÃO É CRIADA PELAS SITUAÇÕES, MAS PELAS INTERPRETAÇÕES DESSAS SITUAÇÕES”. Isto é tão atual que explica o fato da tendência humana a cometer erros constantes em seu pensamento.

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