terça-feira, 19 de março de 2019

Os 30 Anos de Constitucionalidade da Constituição Federal de 1988


Autora: Aline Coimbra(*)

A Constituição Federal completou 30 anos. O constitucionalismo brasileiro é alvo de diversas análises históricas. A história do constitucionalismo no Brasil é visto, por parte dos doutrinadores, como superação ao regime autoritário, populista e golpista. Por outro lado, e, de forma complementar, a constitucionalidade brasileira é ainda promissora de efetividade das garantias fundamentais, fortalecimento dos princípios universais e construção de uma memória social. 

A partir da redemocratização do Brasil, o texto constitucional deixou de ser, nas palavras de Sarte Ariza, apud MAIA (1)(2009, p. 8), um esboço orientativo que deve ser simplesmente respeitado pelo legislador, para representar um programa positivo de valores que deve ser observado também pelo legislador. Prossegue o autor, ao explanar o papel desempenhado pelos textos legais contemporâneos, as Constituições atuais são limite e direção ao mesmo tempo. Nesse contexto, houve o reconhecimento de uma extensa lista de princípios jurídicos e direitos fundamentais.

Mister, relatar em poucas palavras as transformações observadas em sistemas jurídicos após a barbárie legalizada do pós-guerra. El fin de la Segunda Guerra Mundial, con la derrota de los regímes totalitarios de Alemanha e Italia, que habíam prohijado la lagalización de la barbarie con un enfoque puramente positivista del Derecho, trajo consigo el retorno de la ética y los valores, y sembró la semilla de la fututa protección de los Derechos Humanos en un enfoque moderno de la constitución que recebió la denominación de "neoconstitucionalismo" (2) BOTASSI, 2009, p. 485).

Ainda no cenário mundial, a principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Alemanha), de 1949, e a criação do Tribunal Constitucional Federal (1951) (3)BARROSO, 2009, p.52). A Constituição vai além de natureza política, com a função de não só organizar o Estado mas também passa a ter conteúdo substancial, dotada de norma substantiva, de orientação para os operadores da lei, na solução dos conflitos. 

A Constituição de 1988, sob influência das Constituições Ibéricas, incorporou valores, por meio dos princípios, que extravasaram o constitucionalismo tradicional, bem como, apontam diretrizes que requer comprometimento político. O direito constitucional passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração (3) (BARROSO, 2009, p.53). O texto constitucional, como bem leciona Sastre Ariza, apud MAIA (2009, p.6), é seu próprio limite e é quem aponta a direção.

A adoção de princípios como a dignidade humana, solidariedade social, liberdade e igualdade, reconhecidamente, em sede constitucional e como expressão da ética política refletem a relação estreita entre direito e moral, já que graças a ela se exige, por direito próprio, em casos de vaguidade e colisão, aproximar a noção do direito, como ele é, do direito como ele deve ser.
(1) (ZAGREBELSKY, Gustavo apud MAIA, 2009, p.9).

No cenário brasileiro, quem primeiro abordou o fenômeno foi o doutrinador Paulo Bonavides, denominando-o de "pós-positivismo" já que tais transformações rompiam com paradigmas do positivismo jurídico, qual seja, sua não associação entre o direito e a moral. Elementos que outrora (princípios/valores) eram vistos pelos positivistas como vazio jurídico, promessas não realizáveis, atualmente representam instrumentos de validade capazes de criar mecanismos de efetivação dos direitos fundamentais.

Mister observar que tamanha mudança de pensamento no campo constitucional implicou na quietude e ultrapassado debate entre jusnaturalismo e juspositivismo, nascendo, nesta realidade, uma nova ordem com características próprias e desafios do desenvolver constitucional com vistas a garantir, dentre muitos outros, os direitos fundamentais, como descrito por Luis Prieto Sanchís, apud MAIA (1)(2009, P. 11), lidamos hoje:
"Mais princípios que regras, mais ponderação que subsunção; onipresença da constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, em lugar de espaços extensos em favor da opção legislativa ou reguladora; onipotência judicial em lugar da autonomia do legislador ordinário e por último coexistência de uma constelação plural de valores, por vezes tendencialmente contraditória, em lugar de uma homogeneidade ideológica em torno de um pequeno grupo de princípios coerentes entre si e em torno, sobretudo, das sucessivas opções legislativas."
Em complemento às características já apontadas por Sanchís, o Neoconstitucionalismo, tem como principais fundamentos: 
a) a força normativa da Constituição; 
b) jurisdição constitucional; 
c) nova interpretação constitucional; 
d) constitucionalização do direito;
e) constitucionalização dos princípios; e e) novo destaque ao Poder Judiciário.

A força normativa da Constituição foi uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição, à norma constitucional, do status de norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos (3)(BARROSO, 2009, p 55). 

A jurisdição constitucional reflete a Supremacia da Constituição em detrimento do modelo inglês que privilegiava a Supremacia do Parlamento. No Brasil, ao Supremo Tribunal Federal é atribuído a função de guardião da Constituição Federal, com fundamento no art. 102, da CF/88. 

A complexidade da vida contemporânea, tanto no espaço público como no espaço privado; o pluralismo de visões, valores e interesses que marcam a sociedade atual; as demandas por justiça e pela preservação dos direitos fundamentais (4) (BARROSO, 2017, p. 302), esse caldeirão de diversidade é fonte inspiradora e concreta do modo como o direito constitucional é pensado e aplicado.

Já a constitucionalização do direito se refere a força interpretativa e regulamentadora do texto constitucional se irradiar para temas relacionados a outros ramos do direito. Assim, o direito constitucional está regulando fatos, inclusive, do direito privado que, em tese, não seriam matérias de sua competência. No entanto, a visão neoconstitucional do Estado democrático autoriza a constituição perpassar por todas as ramificações das ciências jurídicas, visto sua Supremacia Estatal em relação as demais.

A constitucionalização dos princípios é um ponto sensível, visto que os conceitos genéricos eram desprezados pelo sistema anterior, sob o argumento de não haver espaço para debate sobre as questões morais, apenas os debates políticos eram importantes para esta ciência. Atualmente, os conceitos principiológico de larga amplitude, possuem elevado valor e são importantes parâmetros de solução nos conflitos pela concepção neoconstitucionalista.

O Poder Judiciário oque possuía papel secundário do cenário político, visto que era mero interlocutor da subsunção do fato a norma, ganhou destaque no cenário político-social já que é o Órgão responsável a interpretar a pretensão normativa constitucional. Há aspectos divergentes a respeito da atuação do Judiciário que não convém adentrarmos neste breve trabalho. 

No que tange ao protagonismo judicial, urge destacar a Reforma do Judiciário, procedida pela EC nº 45/2004 que culmina um processo contínuo de introdução de novos institutos e instituições judiciais atinentes ao reforço da legitimidade do Poder Judiciário e da Jurisdição Constitucional (QUARESMA, 2009, p. 890). 

Percebe-se que, os novos parâmetros constitucionais veio promover a Supremacia da Constituição, o destaque do Poder Judiciário e o espaço para os debates dos direitos fundamentais com vista a efetividade da norma constitucional. Os desafios dessa nova ordem constitucional são muitos, numa sociedade plural e dinâmica, manter a coesão e a coerência dos julgados é uma nobre tarefa a ser exercida. 

Note-se que o Neoconstitucionalismo tem na própria Constituição os limites de sua atuação. 
Desafios, como: 
a) lidar com o desequilíbrio entre os poderes (supervalorização do Judiciário, descrédito do Legislativo); 
b) entraves de um longo período histórico de autoritarismo; c) enfrentamento das desigualdades regionais; 
d) promoção da justiça, são alguns dos problemas enfrentados pela nova ordem constitucional. 

Indubitavelmente, a nova ordem constitucional, coloca o texto constitucional em posição de destaque e normatividade à realidade social. Como fonte primária de todas as normas infraconstitucionais é ela o objeto de novas reflexões jurídicas de atuação a fim de dar-lhe efetividade. 

O modo de desejar o mundo, ou seja, o direito constitucional passou a ser não somente um modo de olhar o Direito, mas também um modo de desejar o mundo: fundando na dignidade da pessoa humana, na centralidade dos direitos fundamentais, na busca por justiça material, na tolerância e no respeito mútuo.

A partir do Neoconstitucionalismo, a Constituição Brasileira de 1988 tomou lugar de destaque no cenário jurídico. Com a inclusão de elementos principiológicos genéricos, porém de alta carga valorativa, o que impõe estudo aprofundado do limite e o alcance de direitos positivados, o desenvolvimento de instrumentos como hermenêutica constitucional, técnica de ponderação são fundamentais para efetivação do texto constitucional. 

Neste cenário, com uma sociedade complexa e dinâmica, o desafio é buscar legitimação para tomada de decisão. Aplicar as normas, axiomas e promover a justiça, construindo uma rede histórica de decisões harmônicas com o escopo de garantir segurança jurídica, mantendo a individualidade dos casos concretos numa coletividade plural. 

Referências Bibliográficas: 

(1)MAIA, Cavalcanti Antonio. As Transformações dos sistemas jurídicos contemporâneos: apontamento acerca do neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Forense, 2009
(2)BOTASSI, Carlos. Neoconstitucionalismo: Los Derechos económicos, sociales y culturales en la constitución Argentina. Rio de Janeiro: Forense, 2009;
(3)BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalismo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009; e
(4)BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direto Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 6.ed. São Paulo: saraiva, 2017.


*ALINE COIMBRA











-Graduada em Direito pela Universidade Católica de Salvador(2009);
- Pós graduação em:
  - Direito Previdenciário pela Faculdade Social da Bahia(2012) e
      - Direito Penal Militar pela Verbo Jurídico(2018)

Nota do Editor:

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