quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Afinal, o CDC é aplicável aos contratos de compra e venda de imóvel?


Autor: Vinicius Costa(*)

O Código de Defesa do Consumidor é tido por muitos juristas como um código à frente do seu tempo. Com a entrada em vigor do mesmo, lá no ano de 1990, a sensação era de que o Brasil estava no caminho certo da regulamentação dos direitos consumeristas. Ocorre que, passados mais de 30 anos de sua vigência ainda restam dúvidas sobre a sua aplicação em diversos setores.

Queremos destacar aqui uma importante decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial 1.891.498/SP, pelo rito dos Recursos Repetitivos, cuja tese firmada diz o seguinte:

 

TEMA 1095: "Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor." (3001)

 

Apesar da decisão não ter sido ainda publicada, já cabe uma breve reflexão sobre o tema, e também sobre essa ideia de jogar para escanteio normas consumeristas necessárias à proteção da parte vulnerável nas relações de compra e venda.

Primeiramente temos que trabalhar o conceito de fornecedor de produtos e serviços. Citamos abaixo a definição legal:

 

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

 

Construtor/incorporador pode ser pessoa física ou jurídica, normalmente privada. Ele desenvolve atividade de construção e comercialização de produto. Produto, é todo e qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Apartamento ou casa é um bem imóvel material. Portanto, resta cristalino que o construtor/incorporador que participa da cadeia produtiva do empreendimento é fornecedor de produtos e serviços.

Do ponto de vista contratual, podemos dizer que os contratos de compra e venda de imóveis firmados com construtoras/incorporadoras são da modalidade de adesão, ou seja, contratos dos quais o consumidor possui apenas a liberdade de contratar, a liberdade de dizer sim ou não para essa contratação[1]. Lado outro, não há nessa relação qualquer espaço para discussão de cláusulas contratuais, não existe a chamada liberdade contratual que ocorre quando as partes sentam e formulam as cláusulas em comum acordo.

Mas retornando ao tema do texto, a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça é de fato duvidosa, pois a Lei nº 9.514/1997, apesar de ser especial e posterior ao Código de Defesa do Consumidor tem como finalidade específica a Criação do Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências.

Em seu art. 2º, a lei define quem poderá operar dentro do SFI:

 

Art. 2º Poderão operar no SFI as caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional - CMN, outras entidades.

 

Ainda, referida lei define que a alienação fiduciária é modalidade de garantia contratual para operações realizadas no âmbito do financiamento imobiliário:

 

Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por:

(...)

IV - alienação fiduciária de coisa imóvel.

 

Daí, o art. 22 complementa que "A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel."

A grande pega dessa lei, que para variar, prejudica o consumidor é a disposição contida no § 2º do art. 5º que autoriza a aplicação das normas e condições permitidas às entidades operadoras do SFI para contratos de comercialização de imóveis com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral.

A primeira reflexão a se fazer é: se o Código de Defesa do Consumidor é matéria de ordem pública, se é dever do estado garantir a defesa do consumidor, como então o Tribunal do Cidadão desconsidera a norma constitucional e a norma de ordem pública para aplicar lei mais prejudicial ao consumidor?

Ademais, nossos Tribunais têm entendimento pacificado de que se aplicam as normas do CDC para revisão de contratos de compra e venda de imóveis firmados com construtores/incorporadores. Com essa nova tese do STJ, os mesmos contratos, se rescindidos, não podem ser interpretados pelo Código de Defesa do Consumidor. Na prática, se quero revisar meu contrato, aplico o CDC, se quero rescindir o meu contrato, não aplicado CDC.

Vamos admitir que realmente se aplica a Lei nº 9.514/1997, porém o que não se observa nessa situação é que o construtor/incorporador não empresta dinheiro ao comprador para consecução da operação assim como ocorre nos contratos de mútuo do SFI. Então, quando mandam o imóvel a leilão eles são beneficiados com as parcelas recebidas do comprador e também com o valor da arrematação contra total ausência de recursos investidos na operação de compra e venda, o que configura enriquecimento ilícito e também ofensa direta ao disposto no art. 53 do CDC.

Afinal, o poder judiciário precisa realmente decidir se vai ou não respeitar o Código de Defesa do Consumidor e aplicar aquilo que a lei determina.

REFERÊNCIA

[1] Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

 * VINICIUS HENRIQUE DE ALMEIDA COSTA









-Advogado graduado pela Universidade FUMEC;

-Pós graduado em Direito de Família e Sucessões;

 -Especialista em Direito Imobiliário, consumidor e condominial e

-Áreas de atuação: Imobiliário, Condominial, Consumidor, Família e Sucessões, Cível e Trabalhista.

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