quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Dívidas prescritas não podem mais ser cobradas


 Autora: Tátia Leal (*)

Recentíssima decisum reverbera para alcançar direitos como direito à não perturbação e ao não constrangimento, o que, já no art. 71 do Código de Defesa do Consumidor, condutas capazes de delinear o conteúdo de uma cobrança vexatórias e abusivas é considerado crime, já tipificado no referido Código. Ressaltando que, além da infração penal, se a cobrança de débitos violar a moral do consumidor, torna-se passível uma indenização pecuniária, na forma do art. 6º, VI, do CDC.

Antes de tecer quaisquer considerações, imperioso mencionar a hipossuficiência e a vulnerabilidade dos consumidores frente às inúmeras práticas comerciais abusivas, nas quais os fornecedores que não se adequam aos padrões éticos impostos na política nacional de consumo, violam a boa-fé objetiva e a vulnerabilidade do consumidor, inteligentemente dispostas no rol exemplificativo, do art. 39, do Código de Defesa do Consumidor.

Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, a sua Terceira Turma, ao julgar o Recurso Especial 2.088.100, firmou o entendimento que o reconhecimento da prescrição impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial da dívida. De acordo com o colegiado, pouco importa a via ou o instrumento utilizado para a realização da cobrança, uma vez que a pretensão se encontra praticamente inutilizada pela prescrição.

O caso concreto pauta-se na ação de pessoa física contra empresa de recuperação de crédito, buscando o reconhecimento da prescrição de um débito, bem como a declaração judicial de sua inexigibilidade, pelo fato de sentir-se incomodado e perturbado pelas ligações telefônicas advindas da empresa requerida.

Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. Porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proveu a apelação, pelo fundamento de que a prescrição, por ser incontroversa, possuía objeto impossível, não mais podendo ser cobrado judicialmente, portanto sequer de forma extrajudicial.

No recurso ao STJ, a empresa alegou que a ocorrência da prescrição não impediria o exercício legítimo da cobrança extrajudicial, pois não foi extinto o direito em si, mas apenas a possibilidade de ele ser exigido na Justiça. Além disso, sustentou que o fato de a prescrição atingir o direito do credor de se valer da ação de cobrança para reclamar o pagamento não eliminaria o débito, tampouco a situação de inadimplência existente.

Porém, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, assentou o entendimento de que um direito subjetivo não pode ser suficiente para permitir tal cobrança, pois a pretensão pode ser compreendida como o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica.

No entanto, como apresentado nos autos, antes de se falar em pretensão, já deve-se atentar à situação estática preexistente no crédito (direito subjetivo) e no débito (dever) desse tipo de relação obrigacional. Disse: "A pretensão não se confunde com o direito subjetivo, categoria estática, que ganha contornos de dinamicidade com o surgimento da pretensão. Como consequência, é possível a existência de direito subjetivo sem pretensão ou com pretensão paralisada", declarou.

Nada impede que o devedor, em ato de mera liberalidade, satisfaça a dívida prescrita, contudo, a sua existência não torna suficiente, por si só, a cobrança extrajudicial do débito, uma vez que a sua exigibilidade, representada pela dinamicidade da pretensão, foi paralisada.

"Não há, portanto, duas pretensões, uma veiculada por meio do processo e outra veiculada extrajudicialmente. Independentemente do instrumento utilizado, trata-se da mesma pretensão, haurida do direito material. É a pretensão, e não o direito subjetivo, que permite a exigência da dívida. Uma vez prescrita, resta impossibilitada a cobrança da prestação", concluiu, ao negar provimento ao Recurso Especial.

A ministra ainda ressaltou que a pretensão se submete ao princípio da indiferença das vias, ou seja, pode ser exercida tanto judicial quanto extrajudicialmente. Com isso, ela indicou que, ao cobrar extrajudicialmente o devedor – por exemplo, enviando-lhe notificação para pagamento ou fazendo ligações para o seu telefone – o credor está, efetivamente, exercendo sua pretensão, ainda que fora do processo.

Assim, a ministra Nancy Andrighi explicou que, uma vez paralisada a eficácia da pretensão em razão do transcurso do prazo prescricional, não será mais possível cobrar o devedor, seja judicial, seja extrajudicialmente.


TÁTIA MARGARETH DE OLIVEIRA LEAL


-Advogada graduada pela Universidade da Amazônia (2008); 

-Especialista Latu Sensu em "Direito e Jurisdição" pela Escola da Magistratura do Distrito Federal (2010);

-Atua nas áreas dos Direitos de Família e Sucessões, Cível e Tributário.


Nota do Editor:

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