terça-feira, 18 de agosto de 2020

A Interpretação do Rol da ANS diante do Conflito Jurisprudencial




Autora:Jéssica Lorrany C.A.Costa(*)


Primeiramente, convém esclarecer o que constitui e qual a finalidade do Rol da ANS. Segundo a definição da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o referido Rol diz respeito a uma listagem elaborada pela própria Agência na qual constam os procedimentos que obrigatoriamente deverão ser cobertos pelas operadoras de planos de saúde. Essa listagem é atualizada a cada dois anos e atualmente sua edição é a regulamentada pela Resolução nº 439/2018 ANS.

Todavia, a grande dificuldade encontrada pelos pacientes, bem como pelas operadoras, diz respeito aos procedimentos que não se encontram listados no referido Rol. 

Vejamos que de uma análise simples e bem objetiva da realidade médica atual, podemos observar e concluir que a medicina e seus procedimentos, evoluem de uma maneira exponencial, razão pela qual o Rol não consegue acompanhar tantos avanços, existindo dessa forma uma desproporção entre os procedimentos prescritos pelos profissionais da área da saúde, e os procedimentos que de fato estão listados e por conseguinte possuem cobertura dos planos de saúde. 

Em decorrência desse desequilíbrio tanto os usuários como as próprias operadoras são direcionados a buscar soluções em âmbito jurisdicional.

Nesse sentido, uma das maiores questões suscitadas perante o Poder Judiciário diz respeito a taxatividade e exemplificabilidade do Rol da ANS. 

A jurisprudência majoritária, ao longo dos anos tem entendido que o Rol é meramente exemplificativo, por tanto o seu objetivo seria contemplar as coberturas mínimas obrigatórias, ficando desta forma a critério do médico definir qual o melhor procedimento a ser adotado em cada caso especifico. 

Dito isso cumpre mencionar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que demonstra claramente o que acima foi alegado, senão vejamos: 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AUTOGESTÃO. RECUSA DE COBERTURA A PROCEDIMENTO PRESCRITO PELA EQUIPE MÉDICA. ABUSIVIDADE. ALEGAÇÃO DE PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA ANS. IRRELEVANTE. ENUMERAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. PRECEDENTES. DANO MORAL CONFIGURADO. REVISÃO SÚMULA 7/STJ. 1. Descabida a negativa de cobertura de procedimento indicado pelo médico como necessário para preservar a saúde e a vida do usuário do plano de saúde. 2. O fato de o procedimento não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma vez que se trata de rol exemplificativo. 3. Verificado pela Corte de origem, com suporte nos elementos probatórios dos autos, que a recusa da operadora do plano de saúde em custear o tratamento para o câncer em estado avançado ocasionou danos morais. 4. O acolhimento do recurso, quanto à inexistência de dano moral, demandaria o vedado revolvimento do substrato fático-probatório constante dos autos, a teor da Súmula 7/STJ. 5. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1442296 SP 2019/0037741-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 23/03/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2020)" 
Nesse sentido, cumpre evidenciar que o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decorrência da quantidade de demandas relacionadas a cobertura de procedimentos, editou a Súmula nº 102, que dispõe nos seguintes termos: 
"Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS". 
Ocorre que recentemente, uma decisão proferida pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 173.013/PR (Rel. Ministro Luís Felipe Salomão) protagonizou um novo capítulo nessa discussão ao sinalizar uma mudança de entendimento, visto que foi assentado que "é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas."

Após essa decisão muitas questões começaram a ser suscitadas em âmbito jurídico, vez que a anos as operadoras de planos de saúde buscam apoio jurisdicional acerca da taxatividade do Rol. 

Vale pontuar que essa discussão tem acarretado grande insegurança jurídica, visto que de um lado temos operadoras que tem buscado insistentemente demonstrar que a exemplificabilidade do Rol configura uma ofensa aos princípios basilares dos planos de saúde suplementar, defendendo que taxatividade do Rol traria maior previsibilidade para os cálculos atuariais e segurança do equilíbrio financeiro dos contratos, e de outro temos usuários que cada vez mais tem buscado judicializar às questões relativas as coberturas obrigatórias, vez que as negativas das operadoras ao custeio de determinados procedimentos tem sido cada vez mais frequentes. 

Nesse sentindo, em meio a tantas discussões, cumpre trazer à baila que em que pese a decisão proferida pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça ter trazido grandes reflexos nas demandas judiciais, esse entendimento continua sendo minoritário e não vinculante, vez que a posição eminentemente majoritária e predominante dos Tribunais é no sentido de que o Rol é meramente exemplificativo. 

Portanto, o fato é que a interpretação do Rol ainda precisa ser severamente discutida, haja vista que as definições acerca do tema não podem ser delimitadas apenas do ponto de vista econômico, uma vez que o aqui se discute são questões que envolvem direitos fundamentais, impondo-se desta maneira a obrigatoriedade de uma interpretação sistemática, que analise não somente as questões objetivas que traçam essa problemática, mas também as questões subjetivas de cada situação, de forma a equilibrar a relação estabelecida entre as partes. 

REFERÊNCIAS 

O que é o rol de procedimentos e evento em saúde. http://www.ans.gov.br/planos-de-saude.../441-rol-de-procedimentos. Acesso em 08 de agosto de 2020; 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Recurso Especial: 1442296 SP 2019/0037741-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 23/03/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2020; e

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: 1733013/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020). 


* JÉSSICA LORRANY CIRIACO ALVES COSTA ALVES


-Advogada graduada em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – Uni Anhanguera(2019);
-Pós Graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Atame ;
-Pós Graduanda em Direito Médico, da Saúde e Odontológico pelo Instituto Goiano de Direito; e
-Membro da Comissão de Direito Médico – GO.





Dando prosseguimento a nosso estudo sobre o testamento e suas formas e depois de explanar sobre o que é testamento, sobre o testamento público e sobre o testamento cerrado, chega a vez das outras formas de testamento, alguns chamados de especiais.
O TESTAMENTO PARTICULAR
        Previsto no Código Civil, do artigo 1.876 ao artigo 1.880, a normatização dessa forma testamentária também é muito utilizada, mas não é a mais segura do que àquela feita de forma pública. Isto porque todo o herdeiro que se sinta prejudicado pode contestá-lo, pois este tipo de testamento não está revestido da fé pública, como os elaborados por instrumento público pelo notário, em Cartório de Notas.
        Essa forma testamentária pode deve ser escrita pelo próprio punho do testador ou de forma mecânica. Para a primeira forma de elaboração, como nos ensina o § 1º do artigo 1.876, é requisito essencial para a sua validade que ele seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que também o devem subscrever.
        Na hipótese de que seja elaborado pelo processo mecânico, ele não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de lido na presença de pelo menos três testemunhas, as quais também o subscreverão.
        No Código Civil de 1916 o número de testemunhas era de cinco e no novo Código Civil, passou a ser em número de três testemunhas, sendo esta a maior renovação em relação ao texto anterior. Todavia, não é necessário que estas testemunhas estejam presentes em toda a elaboração do texto, mas sim que elas estejam presentes, concomitantemente, quando da leitura e da coleta das assinaturas, inclusive a do testador.
        Essa forma testamentária tem muitas desvantagens, das quais se destacam a necessidade da conformação testemunhal, o grande risco de extravio do testamento e a inexistência de registro de sua existência. Aparentemente, a única vantagem de que desfruta o testamento particular em relação ao testamento público, é o fato de que o testador pode deixar em segredo as suas disposições de última vontade.
        Ainda podemos dizer que essa forma testamentária não exige, legalmente, que ela seja datada, em que pese as dificuldades que se terá para saber se à data de sua elaboração do testador estava na plena posse de suas faculdades. Das formas de testamento, esta é a que causa maior celeuma entre os herdeiros que, eventualmente, se sintam prejudicados, acabando por judicializar o testamento particular.
OS TESTAMENTOS ESPECIAIS
        Contidos a partir do artigo 1.886 do Código Civil, temos como especiais o testamento marítimo (inciso I), o testamento aeronáutico (inciso II) e o testamento militar (inciso III). A lei civil não admite outros testamentos especiais, além dos acima mencionados (artigo 1.887).
        Em regar, esses testamentos especiais estão sujeitos à caducidade, como nos ensina Mauro Atonini1, após a cessação da circunstância especial, emergencial, que o autorizou, com exceção apenas ao testamento militar, como apreciado no tópico respectivo.
O TESTAMENTO MARÍTIMO E O TESTAMENTO AERONÁUTICO
        Os testamentos ordinários são o público, o cerrado e o particular. E são assim chamados por que é deles que o testador se valerá em circunstâncias normais. Todavia, existem algumas situações previstas pelo legislador para que se façam testamentos especiais, como os acima citados taxativamente.
        Na legislação revogada, os testamentos marítimo e militar eram previstos, sendo que o testamento aeronáutico é uma novidade trazida pelo novo Código Civil.
        O testamento marítimo e o testamento aeronáutico só podem servir a pessoas que estejam embarcadas em navios ou aviões nacionais, de guerra ou mercante. Em ambos o comandante do navio ou o da aeronave, ou, neste último caso, alguém por ele designado, atuam como tabelião, redigindo o testamento em seu diário de bordo, como se este fosse um livro de notas, se o testador optar pela forma similar à pública. Caso opte ele pela forma correspondente ao testamento cerrado, o comandante lavrará o auto de aprovação, registrando-o no diário de bordo. O testamento marítimo ou o aeronáutico supre a impossibilidade de se realizar testamento público ou cerrado, mas não o particular, porquanto este não depende de tabelião para a sua lavratura.
        Assim como já preconizava o Código Civil revogado, a nova legislação substantiva civil (artigo 1.890), ambas as modalidades de testamento ficarão sob a guarda do comandante, ainda que corresponda ao testamento cerrado. A novidade estabelecida pela novel legislação reside no fato de que o comandante entregará o testamento no primeiro porto ou aeroporto, com recibo no diário de bordo, não necessitando mais que isso ocorra na presença de duas testemunhas, ou que o testador declare ser seu testamento o escrito apresentado.
        Por derradeiro e encerrando sobre essa forma testamentária, o artigo 1.892 (que repete o artigo 1.659 do Código Civil revogado), não valerão testamento marítimo, ainda que feito no curso de uma viagem, se, ao tempo em que se fez, o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e testar na forma ordinária.

O TESTAMENTO MILITAR
        Esta forma testamentária especial aplica-se aos militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas, dentro do País ou fora dele, assim como em praças sitiadas, ou que esteja com comunicações interrompidas, poderá fazer-se, não havendo tabelião ou seu substituto legal, ante duas ou três testemunhas, se o testador não puder ou souber assinar, caso em que assinará por ele uma delas.
No Código Civil de 2002 (artigos 1893 a 1896) tem-se como requisitos principais do testamento militar:
1 – O testador deve ser militar ou civil a serviço das forças armadas;
2 – É necessário que o testador esteja em campanha (em exercício ou função) em território brasileiro ou estrangeiro;
3 – Poderá também fazer uso dessa forma testamentária, se o testador estiver em praça sitiada (cercada por forças inimigas, estrangeiras ou não; não há comunicação com o mundo exterior) ou com comunicação interrompida;
São modalidades do testamento militar:
1 – Testamento militar público: todo quartel possui um tabelião. Assim, se ele existe é com ele que deve ser feito o testamento. Caso esteja em campanha, o testamento deverá ser feito pelo comandante; se o testador estive no hospital, o testamento será escrito pelo diretor o hospital ou oficial de saúde e mais duas testemunhas;
2 – Testamento militar escrito: o testador escreve de próprio punho, data e assina. Depois procura duas testemunhas e o oficial de patente e pede para validar o testamento (verifica-se aqui que o testamento militar escrito se assemelha ao testamento cerrado);
3 – Testamento nuncupativo: não é escrito, é oral. O testador o faz no momento, na hora do combate, podendo estar ferido, armado ou atirando. Para isso, ele confia sua última vontade a duas testemunhas. Caso o testador morra em combate e as testemunhas sobrevivam, as testemunhas procuram o oficial de patente e reportam o testamento. O oficial reduz a termo, e juntamente com as duas testemunhas assinam.
O testamento in extremis não terá validade quando o testador não falecer, conforme se depreende do parágrafo único do art. 1.896 do CC/02. Esta forma testamentária recebe inúmeras críticas, por não atender a mínimos requisitos de segurança jurídica, pois, morto o testador, e não havendo nenhum registro escrito de sua manifestação de vontade, nenhuma assinatura dele, há grande risco de fraude pelo conluio de duas testemunhas.
Estas são, em singelas pinceladas, o que posso dizer a respeito dessas formas testamentárias.
Bibliografia
1 - Código Civil Comentado, Editora Manole – 2007 – Mauro Antonini.
2 - Registros Públicos – Editora Método -  coord. Alberto Gentil – 2020 – Andrea Gigliotti e Jussara Citroni Modaneze – Capítulo 6.
3 – Curso de Direito Civil – Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald – 13ª Edição – Editora Atlas.


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