domingo, 16 de agosto de 2020

Ressignificando Mudanças como Forma de Evolução Pessoal


Autora: Cláudia Ribeiro Oliveira (*)


A pandemia de covid trouxe muitas mudanças. Sejam elas positivas ou negativas, muitas vezes as mudanças são impostas pela própria vida e não temos escolha a não ser acatá-las. Mas quais as consequências disso em nossa saúde mental?

Mudanças advindas de situações exteriores podem ser geradoras de angústia, mágoas e ansiedades. Por trás destes sentimentos, existe despreparo, apego e medos antecipatórios. Nos reconhecemos dentro de um contexto. Nossa rotina, nosso status financeiro e social auxiliam na formação de nossa personalidade. Uma mudança brusca nesses aspectos pode até levar a um sentimento de despersonalização, desconectado diante do movimento caótico da vida. 

Em nosso ímpeto ansioso, a primeira coisa que buscamos fazer diante de uma dificuldade ou mudança, é a busca da solução. Acreditamos que a solução é o que trará o equilíbrio novamente para a vida e assim, ficaremos satisfeitos. Mas a única certeza da vida é justamente a sua impermanência. Tudo na natureza se transforma e, independente do nosso desejo de que as coisas permaneçam intactas e imutáveis, elas mudarão. Os ciclos se fecharão para o surgimentos de novos ciclos, assim como as estações do ano vão se revezando entre si. 

A questão é que, algumas vezes, o foco para a solução nos cega diante do sentido, do significado e do aprendizado que virá diante dessa mudança indesejada. Perguntar-se "para que isso está acontecendo comigo neste momento?" ou "a serviço de que esse acontecimento ocorreu?" são formas de entrar em contato com o significado dos eventos. 

Estar desperto, consciente e compreender os acontecimentos dentro de uma perspectiva macro, pode auxiliar o processo de adaptação ao novo, mesmo que primeiramente ele venha com caráter de indesejado ou até ruim. 

Atrelamos grande parte de nosso bem estar, nossa paz, nossa segurança a objetos externos e assim nos colocamos hipersensíveis a tudo, deixando nosso humor a mercê dos fatores externos. Quanto mais vivemos sem autorreflexão, menos autorresponsabilidade teremos diante de nossa própria vida. Já dizia Carl Gustav Jung, "eu não sou o que fizeram de mim, mas o que escolhi me tornar". Ou seja, sempre temos escolha sobre como iremos lidar com as situações da vida. E isso não significa estar anestesiado ou não sentir coisas ruins. 

É preciso transformar as situações em experiências. Situações são sequências de eventos que podem ser caóticos e desprovidos de significado. Já as experiências requerem um envolvimento emocional, uma entrega e a busca de sentido para os acontecimentos. A experiência pode trazer sabedoria e evolução. 

Vivemos na ilusão de que seremos felizes se evitarmos os sentimentos ruins, mas o equilíbrio emocional e a satisfação na vida vem justamente quando aprendemos a vivenciar os momentos negativos com entrega e inteireza, para que essas emoções possam ser liberadas, compreendidas e integradas. É necessário abraçar os momentos de vulnerabilidade, pois eles serão os nossos melhores professores. 

Na psicologia junguiana, o objetivo da existência humana é trabalhar para a individuação. Individuação é o nome que damos ao processo de evolução humana. Este termo refere-se ao processo em que o sujeito se diferencia dos demais, ou seja, torna-se um indivíduo autônomo e indivisível, integrado com sua totalidade, vivendo o propósito de realização do Self e menos à mercê das exigências do Ego, que podem estar carregadas de influências externas. 

Trabalhar para a individuação requer viver com significado e autorreflexão. "Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta", Carl Gustav Jung. 

No decorrer desse processo, é preciso passar por muitas mudanças internas. Primeiramente iremos nos despir das máscaras sociais e idealizações que criamos sobre nós mesmos. Começamos a ficar mais cientes da existência de impulsos, desejos e conteúdo psíquico não expresso nem diretamente observável. O sujeito percebe que há uma grande parte de si mesmo que foi ignorada, reprimida por ele mesmo e tentará explorar tais questões. 

Logo após, ficamos mais conscientes que há partes de nós que não conseguimos controlar, elaborar e expressar de maneira equilibrada e saudável, por mais que tentemos. São as partes que foram reprimidas e precisam vir à tona de formas arcaicas. Esta é a parte do contato com a sombra, da nossa dualidade. É nessa fase também que podemos encontrar qualidades valiosas que haviam sido reprimidas pelos processos educacionais, por adaptação social ou por julgarmos inadequados de alguma maneira. Trata-se de integrar os elementos negados. 

No decorrer desse processo de individuação também iremos nos deparar com a tarefa de integrar nossa natureza masculina e feminina, presente em todos nós, e trabalhá-las para que se manifestem em harmonia. Ou seja, a tarefa do homem será integrar o arquétipo da anima ou feminino (que corresponde a características como sensibilidade, afeto e expressão emocional fluida), enquanto a tarefa da mulher é integrar seu animus ou arquétipo masculino (correspondente a força, razão, vigor e vitalidade). Essa fase trará a integração de recursos importantes. 

No caminhar desta trilha de desenvolvimento pessoal, áreas obscuras da psique começam a se iluminar. Ocorre o despertar da consciência, ampliando nossa visão de nós mesmos. esta fase do desenvolvimento deve ser tratada com o devido cuidado, pois pode fazer com que o Ego fique inflado e gerar uma sensação de onipotência narcísica. Com parcimônia, naturalmente essa inflação vai se dissolvendo e a verdadeira sabedoria emerge sob a forma de intuições e melhor manejo emocional diante da vida.

Todo esse processo de individuação acontece durante a vida toda e é revisitado conforme as situações demandam o desenvolvimento de recursos internos. Com o passar do tempo, o sujeito torna-se cada vez mais consciente dos diferentes aspectos que fazem parte de seu ser e torna-se capaz de se distinguir do mundo, sentindo-se completo e mais autônomo. A individuação nos permite ser livres, desenvolver nossa própria maneira de agir e de ver o mundo, não apenas seguindo o caminho estabelecido pelos outros. Isso também faz com que fiquemos mais empáticos e respeitosos pelo outro, permitindo que ele também se manifeste à sua própria maneira, podendo praticar uma dinâmica de alteridade. 

Um Ego individuado dispõe de mais recursos que geram equilíbrio emocional. Precisamos entender que equilíbrio emocional e psíquico nunca é estático. Para isto, basta imaginar uma pessoa que precisa atravessar duas montanhas caminhando sobre uma corda bamba. Para manter seu equilíbrio, é preciso que ela saiba pender proporcionalmente de um lado para o outro, e assim, ela conseguirá chegar ao fim do seu trajeto. É assim nosso trajeto na corda bamba da vida. Saber dar vazão aos sentimentos, ora positivos, ora negativos. 

Durante toda essa jornada, abraçar a impermanência da vida e aprender com os momentos de vulnerabilidade é transformar âncoras em asas. 

*CLÁUDIA RIBEIRO OLIVEIRA

-Psicóloga;
-Especialista em Psicologia Junguiana pela Paeeon/UNISAL;
-Facilitadora Pro do método PSYCH-K® de transformação de crenças;
-Experiência em atendimento psicológico na abordagem junguiana em consultório particular;
-Experiência como docente em Ensino Superior; e
-Experiência em palestras sobre temas na abordagem junguiana

Nota do Editor:

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