sábado, 19 de setembro de 2020

O menino que será homem

 



Autor: Fábio  Fonseca Junior(*)

Neste ano de 2020, nas vésperas do dia dos pais, viralizou pelas redes sociais um vídeo no qual um menino com uma caixa de engraxate nas costas compra um relógio para dar para seu pai para presenteá-lo no dia dos pais.

O menino ao entrar na loja e demonstrar interesse pelos relógios faz o comerciante pensar que ele queria um relógio para si, todavia, o garoto diz que quer comprar um relógio para seu pai. O dono da relojoaria se emociona e aceita o dinheiro da compra deste jovem cliente. Na sequência, o relojoeiro agradece e elogia o garoto por estar pagando ele com aquele dinheiro, fruto do seu trabalho. O comerciante, então, dá de presente para o menino a quantia do valor do relógio, para que ele possa comprar algo para si, e diz as seguintes palavras: "continue trabalhando, pois Deus tem um projeto na sua vida e Ele fará de você um grande homem. O trabalho dignifica e sei que você é uma criança, mas não é um pecado trabalhar, criança pode trabalhar. Seja honesto e nunca se envolva com coisa errada. Que Deus te abençoe e vá com Deus."

O menino Mário, da cidade de Catalão(GO), tem apenas 10 anos e juntou o dinheiro para dar o presente ao seu tio Emanuel, irmão de sua mãe, que ele considera como pai, pois o pai abandonou a família quando ele era pequeno. Mário mora com a sua mãe e quatro irmãos em uma pequena casa de dois cômodos nos fundos da casa de sua avó. Começou a engraxar sapatos pois a renda da sua mãe era insuficiente para sustentar a sua família e sentiu-se na obrigação de ajudar a manter seus irmãos e sua mãe. O garoto revelou ao vendedor que sonha em um dia poder comprar uma casa para mãe e que quando crescer deseja tornar-se um policial.

A história, por si só é emocionante e tocou dezenas de centenas de pessoas que se dispuseram a ajudar o garoto, o que sem dúvida é muito bom, pois apesar de jovem esse garoto parece ter sofrido bastante. Todavia, Para além do sentimento de culpa e pena que sentimos quando vemos uma cena dessa, que vamos ser sincero, acontecem ao nosso redor aos montes, gostaria de destacar aqui que percebi no garoto Mário a formação de um homem, e sim, isso tem a ver com educação.

 Sem dúvidas Mário é ainda um garoto, ele tem apenas 10 anos. Certamente brinca com os irmãos, primos e amigos e tem suas imaturidades e meninices. Ele ainda não é um homem, mas está no caminho certo!

Nas entrevistas e conversas que vemos com o garoto percebemos um menino dotado de certa dose de resignação e firmeza. A decisão de engraxar sapatos partiu dele, que pegou uma caixa de engraxate que era do tio e estava jogada e saiu nas ruas de sua cidade em busca de algum dinheiro para ajudar na vida de sua família. A mãe contou que no último Natal os irmãos ganharam presentes dos correios, menos ele e ele não pareceu se importar. Certamente há sofrimento em sua vida provinda da escassez material e do abandono do pai, no entanto, o menino não é um ressentido, mas como disse antes parece ser bem resignado e resoluto. A própria atitude de resolver trabalhar parece mostrar isso.

Uma coisa capaz de dar sentido à vida humana é a responsabilidade. Quando nos tornamos responsáveis por algo entendemos que as coisas para acontecerem dependem de nós, se não assumimos e fazemos aquilo que está por nossa conta as coisas simplesmente não acontecem.

Assumir responsabilidade é sair das suas preocupações egoístas e ir de encontro de algo fora do eu, que exige uma atitude, que exige desprendimento e objetividade. Não dá para ficar enclausurado narcisicamente nos meus sentimentos e desejos, pois é necessário agir.  A medida que assumimos responsabilidades vamos adquirindo maturidade. Resumidamente, deixamos de achar que o mundo e os outros nos devem algo e começamos a entender que nossas vidas dependem de nós mesmos e com o passar do tempo, outras pessoas irão também depender de nós.

Veja bem, começamos a ser responsáveis por nossas coisas, dali a pouco assumimos funções e por último nos tornamos responsáveis por pessoas. A escalada para a maturidade é uma escalada através do aumento progressivo da responsabilidade. Então, só para reforçar não é a liberdade que nos torna maduros, mas estar presos às responsabilidades e não abandoná-las pois não está gostosinho.

Perceba que grande parte do vazio, depressão e angústia que assola milhares de milhões de jovens e não tão jovens que materialmente tem uma vida confortável e que gozam de direitos e liberdades irrestritas passa por uma falta de sentido da razão de suas vidas.

 O que ouso afirmar aqui é que o sentido não se dará quando vivo para mim mesmo, mas à medida que me lanço para fora de mim e entendo que uma vocação e uma família não existem para gerar um prazer e felicidade para mim, mas que sou responsável por outros e à medida que me prendo a essas responsabilidades as assumindo na minha vida e que adquire-se significado de viver.

Veja, adquire significado, não felicidade como um gozo de prazer, mas a felicidade da sensação do dever cumprido. Veja um exemplo: você certamente conhece uma jovem que era “porra louca”, mas que após ter filho sua vida mudou (não que uma gravidez seja um caminho para maturidade e responsabilidade, mas pode ser).

A maturidade e a responsabilidade são pressupostos necessários para o desenvolvimento de homens e mulheres, para que esses se tornem de fato homens e mulheres e abandonem a imaturidade da adolescência.

Todavia existe um tipo de desenvolvimento que é próprio da masculinidade, e que não terei tempo de desenvolver aqui, e ao contrário do que dizem algumas feministas, virilidade e masculinidade fazem um bem danado para todo mundo. Destaco algo que é próprio do homem:  a masculinidade verdadeira faz com que exista um ímpeto de proteger e impedir que as dores da vida cheguem aos mais fracos e inocentes. Isso acaba por gerar no homem a capacidade de sacrificar-se por aquilo que ele ama, para manter sua casa, sua família, sua nação, em suma em sacrificar-se por todo aquilo que importante para ele, não se importando tanto para si. Por isso, homens maduros desejam ter coisas e pessoas para cuidar, pois ao fazer isso um vazio que temos em nossos corações deixa de existir. Isso é a essência da masculinidade, isso é ser homem no sentido da maturidade.

Não estou  dizendo aqui que o garoto Mário tenha isso em plenitude, mas que pelo seu comportamento e gestos ele sinaliza essas coisas em sua vida. Um menino que poderia estar choramingando por não ter coisas e um pai, mas que pelo contrário está tentando fazer que a realidade ao seu redor seja melhor e essa melhora passa por sua contribuição nisso tudo. Como descrito na máxima de Sartre: "Não importa o que a vida fez de você, mas o que você faz com o que a vida fez de você". Esse menino me demonstra muito mais responsabilidade e proteção pelos seus do que grande parte dos homens na casa dos 30 que eu conheço. Apesar das dores de sua vida, ele está no caminho certo para ser homem, não é um ressentido. O que o relojoeiro disse para ele é verdade: "continue trabalhando, pois Deus tem um projeto na sua vida e Ele irá te fazer um grande homem".

 Como disse acima, apesar de não parecer, o que abordamos neste artigo está extremamente enraizado na questão educacional. Uma definição mais grosseira de educação indica a transmissão de técnicas de uma geração para outra mais nova, o que permitiria uma existência material mais tranquila a cada nova geração.

No entanto, educar alguém está muito além da transmissão de técnicas, mas tomando um sentido mais clássico, está ligado a formação de um tipo elevado de homem, capaz de compreender os dramas da humanidade e atravessá-los com certa consciência e consistência. É tornar o homem capaz de se situar no mundo e diante dos dramas próprios da humanidade, fazendo com que ele atravesse a vida humana com uma perspectiva de finalidade. Que ao longo de sua vida esse sentido se torne evidente para ele. Perceba, é mais que formar um bom profissional e um bom cidadão, mas formar uma pessoa madura.

Parte dos grandes dilemas que as sociedades hodiernas enfrentam encontram suas raízes fincadas em uma imaturidade das pessoas. Grande parte das pessoas se encontram presas em suas carências afetivas, que faz com que olhem para o mundo e para os outros com um olhar de cobrança, como se o mundo e os outros devessem algo para que fossem felizes A dificuldades em se ter uma carreira, os relacionamentos frágeis, o desprezo por aquilo que se é em busca de um eu imaginado e fantasioso, as desordens do campo moral e outras coisas podem se ligar a uma fragilidade em se perceber quais elementos formam uma pessoa madura.

Formam-se bons técnicos, mas poucas pessoas capazes de criarem em si uma unidade entre o conhecimento que tem e a consciência de si. A maturidade gera um caráter consistente e integrado a personalidade, fazendo com que mais do que simplesmente pessoas responsáveis tenhamos também pessoas capazes de compreender o que são e para que devem servir (como desprendimento de si e direção ao outro). Maturidade faz com que olhamos para a vida com um olhar de missão e menos como um lugar de satisfação. E essas coisas precisam ser compreendidas e necessitam de modelos, por isso é um problema educacional, pois apreende-se por imitação.

Dessa forma, longe do menino Mário ser um ser maduro e pronto, suas atitudes demonstram sentimentos e valores que parecem ser cada vez mais escassos em nossa sociedade. Ele nos incomoda e nos emociona pois aquela resiliência moral nos é rara. Não há desespero, mas serenidade e resignação. Precisamos voltar para uma concepção de educação que busque formar a moralidade e às virtudes que são necessárias para ser adulto. Esse ideal não está ligado somente ao ensino escolar, mas deve ser modelo para toda a sociedade, sobretudo para artes. Precisamos regressar ao ideal de homem maduro. É necessário formar homens e mulheres e não eternos adolescentes.

FÁBIO DA FONSECA JUNIOR










  -Graduado em Filosofia e História; 
  -Mestre em Educação (UFLA) e
  - Diretor de Escola


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