sábado, 30 de setembro de 2023

O abuso dos trotes nas Universidades brasileiras


 


Em face da grave ocorrência do dia 17 de setembro deste ano de 2023, que consistiu no vazamento de um vídeo nas redes sociais, no qual alunos do curso de medicina da Unisa, Universidade de Santo Amaro, aparecem seminus, simulando masturbação, voltou a se discutir uma polêmica que se arrasta há séculos: o abuso dos trotes nas Universidades brasileiras.

Tendo sido revelado depois que o tal vídeo foi gravado entre abril e maio deste ano, durante um torneio de vôlei feminino entre alunas de Medicina, na cidade de São Carlos, em que diversos calouros exibiam as partes íntimas e que eram todos do primeiro ano do curso de Medicina, a conclusão é imediata: tudo o que ocorreu é resultado de um trote aplicado pelos veteranos.

Sabendo-se que o resultado dos atos obscenos supracitados foi a expulsão pela Unisa de alunos entre 18 e 19 anos e que são todos calouros, a pergunta que não quer calar é a seguinte:  - É justo que tenham sido expulsos apenas  os calouros que foram, de certa forma, obrigados a agir dessa forma, sob pena de serem agredidos, humilhados, maltratados ou talvez até mortos pelos veteranos, ainda que tenham sido, depois, reintegrados? E os veteranos, por que não são punidos?

A fim de comprovar que a perguntas procedem, vejamos alguns casos já ocorridos, em se tratando de trotes nas Universidades: Primeiro caso – "Banho da morte". Faculdade: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Curso: Medicina. Ano: 1962. Durante a festa de recepção, um dos novatos foi pego pelos veteranos para uma "brincadeira de boas-vindas". O infeliz garoto foi obrigado a se despir e entrar em um barril cheio de água misturada com cal. O estudante teve quase o corpo todo queimado e acabou morrendo. Três anos depois, a PUC proibiu os trotes na Instituição.

Segundo caso: Universidade Mogi das Cruzes. Curso: Jornalismo. Ano: 1980. Um calouro se encontrava em um trem da estação Estudantes, que liga Mogi à capital paulista, quando foi abordado por um veterano da Universidade, que desejava cortar seus cabelos. Ao negar-se, o rapaz foi espancado até a morte.

Terceiro caso e o mais emblemático: Universidade de São Paulo. Curso: Medicina. Ano: 1999. O calouro Edison Tsung Chi Hsueh, após ter sido todo pintado, seguiu, com outros calouros, até a Atlética da USP, onde foi obrigado a entrar numa piscina sem saber nadar. Pouco tempo depois, foi encontrado morto no fundo da piscina. Quatro estudantes foram acusados pela morte do rapaz, tendo sido denunciados pelo ministério público. Entretanto, o caso foi arquivado por falta de provas e os estudantes foram inocentados.

Retornando-se, por conseguinte, ao caso da Unisa, há que se  destacar os diversos depoimentos de alguns alunos acerca do trote, os quais afirmaram, entre outras coisas, que "os atos obscenos praticados pelos alunos fazem parte da conduta exigida por um grupo de alunos do último ano de Medicina"; "Eles falam que nós não vamos ter acesso à oportunidades,que vamos ser marcados como fracos, se não obedecermos a eles durante os primeiros seis meses"; "Amassam na porrada ou xingam quem não participa. Tem gente que não aguenta e desiste da Universidade."

De acordo com o especialista Antônio Ribeiro de Almeida Júnior, professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura (Esalq)  "Não tem nada a ver com tradição, a questão do trote é relação de poder. Um grupo político disputa o controle da situação." Segundo Fábio Romeu Canton Filho, presidente da comissão contra o trote violento da OAB, " Uma única morte em uma Universidade é suficiente para justificar a inibição total. A preservação da vida humana tem de ser o mote.”" Acrescente-se a essas verdades o fato de os trotes terem iniciado em 1831, quando acabou em morte na Faculdade de Direito de Olinda...

Diante do exposto, a segunda pergunta que não quer calar há três séculos é a seguinte:  - Que Educação "dita superior" é essa, que já deseduca desde a entrada na Universidade, impondo àqueles que estudaram dia e noite, tendo sacrificado horas e horas de lazer e sono, riscos de humilhação e até riscos de morte, através de um trote de todo desnecessário e quase sempre perverso?

Quem puder, que nos responda.

 Fontes

Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo e G1; 

Sites: antitrote.org, guiadoscuriosos.com.br, conjur.com.br, guiadoestudante.abril.com.br

Leia mais em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quais-foram-os-trotes-mais-crueis-do-brasil

* MARIA ELIZABETH CANDIO





















-Graduada em Letras e Tradutor & Intérprete pela Faculdade Ibero -Americana (1982);

-Pós -graduada em Literatura Brasileira (1985);

-Mestre em Literatura Comparada pela USP, Universidade de São Paulo ( 2007);

-Professora de ensino superior, médio e fundamental I durante 40 anos;

- Escritora e poeta, tendo publicado os livros Canção Necessária (1986) e Ávida Vida (2020);

- Revisora ; e

- Membro da Academia Contemporânea de Letras, desde 2020, tendo como patronesse a escritora Clarice Lispector.

 Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário