©2025 Juliana Silva
Um assunto que ganhou destaque nos últimos meses é o uso que algumas mulheres fazem dos bebês reborn - bonecos realistas que se parecem com bebês humanos. Esta temática gerou polêmica depois que vídeos mostrando a rotina diária de colecionadoras e seus bebês viralizaram nas redes sociais Instagram e TikTok.
Inicialmente, muitos criticaram o fato de mulheres adultas brincarem com bonecas, mas depois vieram os questionamentos sobre a saúde mental de mulheres que foram além do brincar, tratando os bebês reborn como bebês reais. A questão tem chamado tanto a atenção que recentemente foi destaque de reportagem do jornal norte americano The New York Times e encenação da novela ‘Vale Tudo’, da TV Globo. Diante de tamanha repercussão é importante levantar algumas reflexões do ponto de vista psicológico.
SOBRE O BRINCAR
Há cerca de 10 anos, acontece em espaços públicos o encontro de fãs/colecionadoras de bebês reborn, destinado a troca de experiências das mulheres com seus bebês. O encontro deste ano ocorreu no dia 13 de abril no parque Ibirapuera e foi alvo de chacota por parte de muitos internautas, que diziam que elas não tinham o que fazer e deveriam adotar uma criança de verdade, ou que era falta de homem ou que estavam loucas. No entanto, colecionadores de figurinhas, de camisas de time de futebol, de miniaturas de carros também se encontram, os vídeos também viralizam e - pasmem! - não nos causa estranheza. Vamos refletir um pouco a respeito?
Socialmente, à mulher só é permitido brincar até os primeiros anos da segunda infância, fase que vai dos 6 anos até a puberdade. Depois disso, é comum uma menina de 12 anos ouvir que ela não é mais criança para brincar de boneca. Já ao homem, tudo é permitido. Ele pode soltar pipa em cima das casas mesmo depois de adulto, pode se encontrar com outros homens para trocar figurinhas, pode participar de encontros de colecionadores de carrinhos, de super-heróis, de camisa de time etc. e não ouvirá ninguém dizer que ele não tem o que fazer, ou que está louco ou que lhe falta uma mulher. Ao fazermos tal comparação fica evidente o quanto a mulher é cobrada quando faz algo que a sociedade diz que não é para ela. Neste sentido, uma mulher andar com seus bebês reborn pelas ruas, brincar com eles, ter coleção, trocar as roupinhas ou ir a encontros com outras mulheres que também colecionam, equipara-se a homens que jogam video-game, soltam pipa, colecionam miniatura de carros ou bonecos de super-heróis. Não há nenhum problema, por mais estranho que lhe pareça.
O fato de uma pessoa adulta colecionar bonecas e/ou brincar com elas não é sinônimo de adoecimento mental, é apenas um gosto pessoal que precisa ser respeitado. A questão se torna um problema quando o recreativo cede lugar à desconexão com a realidade, à falta de noção de limites ou ao isolamento social e nesses casos é importante buscar ajuda psicológica.
SOBRE LUTO
Algumas mulheres que passaram por abortos espontâneos, tiveram filhos natimortos ou perderam seus filhos logo após o nascimento (ou alguns meses após) dizem ter encontrado alento nos bebês reborn depois da perda. Embora o uso de objetos simbólicos seja terapêutico em alguns casos, é importante lembrar que o luto é um processo de elaboração da perda. Se apegar a um boneco pode tornar o processo do luto confuso, pois há o risco de a mulher buscar no boneco uma fuga da realidade, deixando assim de elaborar o sentimento de uma dor real e com isso prolongar por mais tempo que o necessário a negação da perda.
Nos casos em que é indicado o uso de objetos simbólicos para elaboração de perdas, é necessário o acompanhamento psicológico para que o(a) profissional avalie se a interação com o(a) boneco(a) está impedindo o acesso ao luto.
SOBRE TREINOS ANTES DA MATERNIDADE REAL
Semanas atrás vi propagandas de e-books que ensinam mulheres a cuidarem de seus bebês reborn; são guias para criar uma rotina de cuidados como se fosse um bebê real (qual a hora certa de colocar para dormir, trocar fraldas, dar banho etc.). Há quem acredite que tais guias podem preparar a mulher para ter seu primeiro filho, porém é importante lembrar que bebês reborn são o que são: bonecos e portanto, não há como comparar seus cuidados aos de um bebê real. Vale ressaltar que treino de prática é diferente de treino de rotina; há profissionais que usam bonecos(as) para ensinar a forma certa de segurar um bebê, amamentar, dar banho, e essa simulação de prática ajuda no entendimento do manejo correto, diferente da rotina, que depende da individualidade e da relação mãe-bebê.
Via de regra todos os brinquedos vem com pequenos manuais que explicam o que fazer para que o objeto tenha maior durabilidade e esses são os cuidados que uma colecionadora de bebê reborn precisa ter para que ele dure mais. Amar um boneco e tratá-lo como um bebê real, não o torna real e nem próximo disso. Um bebê humano sente fome, sono, chora, fica doente, suja as fraldas e exige cuidados que farão com que a rotina com ele não seja estática como com um(a) boneco(a). Estabelecer práticas com um(a) boneco(a) visando manter os mesmos hábitos quando tiver um(a) filho(a) alimentará expectativas ilusórias sobre a maternidade, o que poderá gerar grandes frustrações e trazer imenso sofrimento à mãe.
SOBRE FALTA DE NOÇÃO DE LIMITES
Há cerca de duas semanas, duas cenas da novela ‘Vale Tudo' envolvendo bebês reborn chamaram a atenção. Na primeira, o personagem César vai com seu amigo até uma lanchonete e, por estar com o bebê reborn no colo, passa na frente das pessoas que estavam na fila. Na hora de pagar a conta, ele coloca o boneco de qualquer jeito sobre o balcão e é questionado por alguém da fila por não ser um bebê de verdade, ao que ele responde que é um boneco de suporte emocional e manda o rapaz pesquisar na internet. Na segunda cena, a personagem Aldeíde chega atrasada no trabalho por dificuldades em carregar a boneca, um carrinho de bebê e bolsa com roupas e fraldas. Ao ser questionada pela colega de trabalho, ela pega a boneca pelo braço e diz que não está doida e sabe que é uma boneca, mas que gosta de fingir que é um bebê. Contudo, no momento que o chefe chega com outro funcionário, ela pede que este fale baixo porque a bebê está dormindo.
Talvez você diga: "ah, é apenas uma novela. Isso não acontece de verdade", mas é importante lembrar que a arte imita a vida e, sim, isso acontece ou pode acontecer na vida real, tanto que nas últimas semanas circularam informações de mulheres que levaram seus bonecos para atendimento de urgência em UPAs (Unidade de Pronto Atendimento) e para tomar vacina em posto de saúde. Após tais ocorrências, deputados protocolaram projetos de lei que proíbem o atendimento de bonecos em instituições de saúde públicas e privadas. Também foram noticiados dois casos envolvendo a Justiça: um sobre uma mulher que tentou processar a empresa que lhe negou o pedido de licença-maternidade para cuidar de bebê reborn, e outro, sobre um casal que entrou em disputa pela guarda de uma boneca.
Como já dito, ter um bebê reborn e andar com ele pelas ruas não é problema. O limite é justamente apenas portar o boneco. Se alguém gosta de fingir que é um bebê real, precisa ter discernimento de não impor sua fantasia ao outro e nem deixar de cumprir regras sociais/institucionais, como, por exemplo, se atrasar no trabalho sob argumento de cuidados com o boneco, exigir atendimento preferencial nos estabelecimentos ou direitos garantidos a seres humanos.
QUANDO PROCURAR AJUDA
Os eventos noticiados sobre ocorrências com a justiça ou bebês reborn levados para atendimento de saúde, por si só não devem ser vistos como urgência de ajuda psicológica, pois vivemos em uma época em que chamar atenção nas redes sociais gera em algumas pessoas o sentimento de pertencimento e aceitação. Isso quer dizer que alguém pode agir de tal forma para gravar e postar nas redes somente com o intuito de viralizar, ser visto e comentado e então cada caso deve ser analisado individualmente. Não ser caso de urgência para apoio psicológico não descarta, porém, a importância de a pessoa fazer psicoterapia para tentar trabalhar as questões que a levam a agir de forma imprudente e inconsequente, por vezes atrapalhando ou atrasando a vida de quem realmente precisa dos serviços/benefícios.
Além da situação comentada sobre a necessidade de acompanhamento psicológico quando se faz uso de bonecos como objetos simbólicos para elaboração de perdas, cuidar de bebês reborn deixa de ser recreativo e requer atenção quando a pessoa rompe com a realidade ou quando se isola das relações humanas restringindo o contato apenas com o boneco. O romper com a realidade pode ser entendido, por exemplo, como a pessoa acreditar de fato que o boneco sente e/ou tem reações como um bebê humano e nesses casos o acompanhamento é importante para que se avalie se há alguma predisposição psiquiátrica anterior à aquisição do boneco. Importante ressaltar que o brinquedo de maneira independente não causa nenhum transtorno mental.
Outra situação que aponta desconexão com a realidade é quando a pessoa fica intensamente triste, com angústia ou ansiedade quando fica longe do bebê reborn. Neste contexto é importante o acompanhamento psicológico para que a pessoa tenha um espaço de escuta, entenda qual a função do boneco em sua vida e ressignifique esse vínculo.
Em circunstâncias nas quais alguém se isola das pessoas e cria laços somente com bonecos, pode ocorrer a perda da capacidade de conexão com o outro e a pessoa passar a ter um olhar equivocado sobre si. Mais uma vez o acompanhamento psicológico se faz importante para que a pessoa possa ser ouvida em suas frustrações, identifique o que há de tão aversivo nas relações humanas e tenha o suporte necessário para reestruturar/restabelecer relacionamentos interpessoais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora seja repetitivo reitero que o fato de uma pessoa adulta colecionar bonecas e/ou brincar com elas, não é sinônimo de adoecimento mental e sim apenas um gosto pessoal que precisa ser respeitado. Se você ou alguém do seu convívio tem um bebê reborn saiba que você é livre para ter o que quiser, mesmo que outros achem estranho. E se você percebeu que se enquadra nas situações que requerem atenção e apoio psicológico, busque ajuda, fazer terapia é um ato de amor com você mesmo(a). Cuide do bebê reborn com todo amor que você tem para oferecer a um(a) boneco(a) que você ama (e tá tudo bem!) e cuide de você (ou dos seus) como alguém real, que também merece cuidados!
JULIANA SILVA
- Formada em psicologia pela Universidade Paulista – UNIP (2015) ;
- Psicóloga clínica sob abordagem Sistêmica / CRP: 06/127380;
- Atendimento online: adulto – individual, família e casal;
- Coautora do livro “Vida bem vivida – motivação e bem-estar”.
Contatos: WhatsApp: +55 (11) 99812-7167
E-mail: julianasilva.psico@gmail.com
Instagram: @psi_julianasilva
Nota do Editor:
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